27 de março de 2025

O impostor cotidiano, de Hugo César

Uma narrativa sobre identidade, pertencimento e as farsas do dia a dia

O que significa ser um impostor? Fingimos para os outros ou para nós mesmos? Em O Impostor Cotidiano, Hugo César entrega uma narrativa afiada, que transita entre a autoficção e o romance de formação, expondo as contradições da juventude, a busca por pertencimento e a eterna sensação de estar interpretando um papel. Com humor ácido e uma escrita envolvente, a obra captura a inquietação de quem se vê deslocado, seja em um intercâmbio internacional ou dentro da própria rotina. O protagonista, Rhugo, se debate entre a nostalgia e a realidade, tentando encontrar sentido naquilo que já passou. Entre memórias distorcidas e reflexões mordazes, o livro nos leva a questionar nossas próprias versões da história.

Confira a entrevista com o autor

O que o leitor pode esperar da narrativa neste seu primeiro livro?

Há alguns anos, eu li um texto do Raimundo Carrero no jornal Rascunho, em que ele explicava a presença de dois narradores no Dom Casmurro. Um deles é o Bentinho, que faz uso da memória involuntária, está se descobrindo e amadurecendo, e tem um olhar terno para o passado. O outro narrador é o do título do livro, que abre a narrativa explicando o porquê do apelido, que ensinou a nós leitores a desconfiarmos do narrador em primeira pessoa. Ele faz uso da memória voluntária - totalmente tomada pelo seu ressentimento. É impossível para o Dom se lembrar de um gesto gentil de Capitu. O Bentinho se lembraria.

Em O impostor cotidiano, há um trabalho metaliterário que estava presente desde o primeiro rascunho: a escrita do livro é um processo de aprender a narrar a própria vida. Não no sentido de "antes narrava errado, agora narra certo". Não, mas na busca por um estilo. O narrador que abre o livro não é o mesmo narrador que o encerra, ainda que sejam, de certa forma, o mesmo personagem. O que mudou na vida dele? A passagem do tempo o ensinou a narrar diferente.

 

De que forma o autor explora a sensação de inadequação e o sentimento de ser um "impostor" na sociedade atual?

Vestindo uma roupa que não é do seu tamanho.

A impostura é aquela mentira que repetimos mil vezes para nós mesmos.

No aniversário de três anos do meu sobrinho, enquanto ele comia um doce, nós adultos marcávamos uma noite de pizza no calendário. Ao ouvir isso, ele interferiu na conversa: Eu adoro pizza. A mãe, rindo, respondeu: já está virando um adulto, está mentindo só para entrosar.

Esta anedota sintetiza a essência da novela "O impostor cotidiano", em que um narrador finge reconstruir a memória para narrar o desencanto do fim da adolescência, esse entre lugar: nem tão criança, que possa se eximir das consequências dos seus atos, nem tão adulto, ciente dos próprios limites.

Ao longo da reconstrução, surge o desamparo por trás da impostura do personagem, exilado de si mesmo no processo de transição.

 

Como os elementos narrativos em torno desse personagem jovem contribuem para criar uma atmosfera de dúvida e incerteza?

Ele finge ser outra pessoa pra tentar se enturmar, enquanto na cabeça dele mal consegue organizar os pensamentos. Então, um mesmo personagem narra em vários estilos, em registros diferentes: abre com uma carta acusatória, depois vai para um fluxo de consciência, então o personagem é enquadrado num relato realista, e encerra com um processo reflexivo.

 

Partindo dos "avisos" que temos na obra, quais conflitos internos e externos impulsionam o desenvolvimento do personagem principal?

O conflito básico de todo ser humano é que ele não pode ser o modelo que tenta imitar. O outro conflito é que o desejo, uma vez realizado, perde o valor. O personagem Rhugo quer se tornar indivíduo, mas não sabe como, logo tenta imitar os ídolos (os modelos). Ele começa a narrativa com um desejo mimético mal elaborado. A tentativa de realizar esse desejo, que não é dele, o coloca em conflito com ele mesmo, pois mudar de país, fazer parte de uma turma, imitar a vida dos modelos, tudo isso tem um custo para o personagem, para a individualização dele.

Fora que a realidade não está nem aí na forma como ela trata nossos desejos.

Na advertência inicial, há uma crítica irônica àqueles autores que mistificam a profissão dizendo que o personagem tem vida própria, que o personagem saber pra onde conduzir a narrativa, como se o escritor fosse apenas uma espécie de marionete matriosca (o personagem manipula o escritor que manipula o personagem, que manipula o escritor, numa escrita em abismo).

Então, vai ter manipulação dos conflitos, sim.

 

Me pareceu que a narrativa convida o leitor a refletir sobre autenticidade e a busca por uma identidade verdadeira. Você acha possível tratar nisso em um tempo que nossos adolescentes querem simplesmente ser a cópia do que encontram na internet?

Eu não acredito na forma romântica como a "autenticidade" é vendida, algo que vem de dentro.

Toda a formação da identidade e construção do psiquismo vem da imitação de modelos. A gente começa imitando pais, irmãos mais velhos, primos, coleguinhas na escola, professores. Na adolescência, isso se intensifica por conta de uma certa consolidação da identidade (ou dos traços mais marcantes dela), por isso a importância dos grupos e dos ídolos. Então, é preciso imitar.

Ah, e não é só adolescente, o que mais tem é adulto imitando, desejando a vida, o estilo de vida, dos influenciadores.

A originalidade, a autenticidade, vai vir de uma certa metabolização dessas imitações. Nas artes isso é mais óbvio. É comum você ver um estudante de artes plásticas na frente do quadro de um grande mestre copiando. Imitando. Em algum momento, talvez do erro dessa imitação, vai surgir o novo.

Eu gosto de pensar que a gente imita pra aprender o básico, depois é uma montagem de referências (igual a nossa identidade). Não existe cópia fiel. Nem de artista nem de adolescente copiando o novo ídolo do momento.

Cervantes imitou os escritores de cavalaria, mas só se tornou original na torção que fez: seu cavaleiro é igual aos outros, mas num mundo em que a cavalaria não existe.

Sobre o autor
Hugo César nasceu no interior de Goiás em 1984, mas tem sotaque mineiro. Formado em Psicologia na UFMG, se especializou em Teoria Psicanalítica. O Impostor Cotidiano é seu primeiro livro.

Lançamento: 31 de março de 2025, às 11h
Local: Livres Livraria do Mercado Novo, 3º Andar
Especificações técnicas:
Título: O impostor cotidiano
Autor: Hugo César
Número de páginas: 80 pp.
Tamanho: 13 × 19 cm
ISBN: 978-65-5681-183-3
Onde comprar: AQUI
Conheça o autor
Data de livraria: 31/03/2025
Editora: LiteraturaBr
Para contato: hcrpaiva@gmail.com