18 de fevereiro de 2025

Meu ponto de vista

Da minha rede, no décimo andar, eu consigo ver o mar e parte do quarteirão seguinte. O céu lilás mistura-se com o azul intenso, quase preto do Atlântico, enquanto o dia vai findando lentamente. Os postes vão ganhando vida e iluminando as ruas. Consigo ver alguns transeuntes na calçada e acredito reconhecer alguns deles em sua rotina cotidiana. Uma idosa senhora com sacola de compras e xale para diante do senhor que vende peixe numa banca da esquina.

Em outro ponto, vejo um café. Um café que costumo visitar aos domingos. Me recordo da comida e da atenção que a atendente tem comigo. Já me cumprimenta com satisfação e vai logo perguntando “O de sempre? ” Como uma pintura viva, aprecio o movimento do bairro enquanto os carros nas avenidas se fazem personagens transitórios.

Na esquina tem um prédio com dois pavimentos. É a mesma esquina do vendedor de peixes. O primeiro pavimento é uma loja de produtos naturais que abriu recentemente. Me esforço para lembrar o que tinha ali antes de ser uma loja de produtos naturais. Não consigo lembrar e penso que deveria ser apenas um espaço fechado mesmo. A loja é bem iluminada e acho que a mudança foi para melhor. Revitalizou um pouco o bairro.

No segundo pavimento parece ser uma escola de dança. E duas vezes por semana eu assisto repetidos movimentos de uma menina disciplinada. Não a vejo diretamente, apenas seu reflexo no espelho, que parece estar, no fundo da sala. Com meia, coque bem feito, sapatilhas e um collant preto, ela rodopia e se alonga na barra presa na parede.

Em frente à escola de dança um fluxo de pessoas dobra a esquina. Estão saindo do supermercado que fica em frente. Como está do lado de cá da rua não é possível vê-lo diretamente. Mas o asfalto iluminado e as pessoas saindo com sacolas nas mãos indicam que ainda está aberto, e assim deve permanecer por mais uma hora.

Agora já consigo ver as primeiras estrelas no céu. Me espreguiço na rede e ajusto a vista na janela. Um transatlântico, todo iluminado, se destaca no horizonte. Parece se mover devagar. Fecho um dos olhos e sigo o navio com um ponto da esquadria da janela como referência. Desta maneira o barco parece se mover mais rápido.

Na rua lá embaixo as pessoas seguem seus caminhos. O café parece ter mais gente. Um rapaz deixa cair uns papéis na calçada e tem dificuldade em recolhê-los. Esboço um sorriso suave. Noto, em determinado momento, que o vendedor de peixes já não está mais sentado na esquina. “Quando foi embora? ”, me pergunto surpreendido. Imagino que seu expediente deva ter terminado e ele tenha saído enquanto eu observava a dançarina ou o transatlântico.

Olho para o relógio e vejo o adiantar da hora. Assim como o vendedor de peixes, eu decido cuidar da vida. Com certa relutância deixo a rede, os transeuntes, a dançarina e o transatlântico, que nesse momento vai sumindo atrás de um prédio. Ao passar pela sala, ligo a TV mas sem prestar atenção. Sigo para a cozinha para preparar o jantar e me dou conta de que também sou apenas mais um transeunte, apenas mais uma janela acessa.

Por Alberto Lacerda