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Cenas de domingo
Há algo de mágico nos domingos da infância, um encanto que teima em resistir ao tempo. Para mim, eles vinham embalados pelo ronco dos motores e pelo som inconfundível do "Tema da Vitória". A música ainda ecoa na memória como trilha sonora de um ritual que se repetia toda semana: o café da manhã cheirando a cuscuz e manteiga, a sala iluminada pela televisão, e meu pai, que parecia esquecer por algumas horas o peso da semana, sentado no sofá, com os olhos brilhando.
Depois de assistir à série sobre o Ayrton Senna, a febre do momento, veio à mente a lembrança de uma época em que a Fórmula 1 era mais que um esporte. Não era só carro ou velocidade, mas um espetáculo que parava o país, principalmente por conta de um homem que, durante muito tempo, representou o espírito de uma época. Sei que hoje em dia muitas coisas daquele período e daquela personalidade foram problematizadas, mas pelo menos no início dos anos noventa ficávamos felizes ao ver o capacete verde e amarelo do Senna brilhando na pista. Mesmo por trás do visor, ele parecia olhar para cada um de nós; com seu talento e sua obstinação, transformava cada corrida em um épico, e vibrávamos com cada uma de suas conquistas.
Eu me lembro bem da ansiedade que crescia no peito quando o Senna assumia a liderança. A casa, antes cheia de conversas, ficava em silêncio absoluto. A vitória não era apenas dele, mas nossa. Quando o hino tocava, e aquela música triunfante enchia o ar, o orgulho explodia em sorrisos.
Mas a memória tem suas armadilhas e, com a mesma intensidade que carrega a alegria, também preserva a dor. O dia 1º de maio de 1994 está gravado em mim como uma tatuagem que o tempo não apaga. Recordo exatamente o que fazia quando a câmera mostrou a batida. Um choque seco, sem trilha de vitória, sem festa. O silêncio na sala foi diferente, pesado, quase palpável. Meu pai balançava a cabeça, enquanto eu tentava entender por que ele não levantava do cockpit. A TV repetia a cena e, a cada repetição, o nó na garganta ficava maior.
Fomos jantar na minha avó e lembro que as crianças foram proibidas de ligar a televisão. Minhas irmãs, mais velhas do que eu, desobedeceram à ordem e, quando nos reencontramos, os olhos vermelhos e os soluços sem parar entregaram tudo.
Até hoje, quando ouço o "Tema da Vitória", uma mistura de emoções me invade. A melodia é um gatilho: traz o brilho de domingos ensolarados com os sorrisos pós-vitórias, mas também o frio daquela manhã cinzenta no circuito de Imola. Mesmo sem querer, as imagens voltam – a curva fatal, o capacete imóvel, os minutos de espera. O menino que assistia à corrida naquele dia ainda mora em mim, e é ele quem se arrepia, quem prende a respiração, quem deseja um final diferente.
Porque o menino que vibrou com Senna ainda vive dentro do homem que aprendeu com ele a não perder a capacidade de sonhar.