A literatura como espaço de visibilidade: narrativas trans em expansão
Museu da Diversidade Sexual indica diferentes obras inspiradoras, interessantes e que evidenciam a voz da população trans
No dia 29 de janeiro, celebramos o Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti, uma data que vai além da conscientização: é um marco de resistência, dignidade e afirmação de direitos. Ainda que a população trans enfrente desafios estruturais na sociedade, sua presença na literatura tem crescido, consolidando-se como uma ferramenta essencial para a preservação da memória e o fortalecimento de vozes historicamente silenciadas.
A literatura, ao dar espaço para essas histórias, amplia o debate sobre identidade, diversidade e inclusão. E os números comprovam essa transformação. De acordo com um levantamento realizado por Amara Moira, Coordenadora de Educação, Exposições e Programação Cultural do Museu da Diversidade Sexual, as publicações de autoria trans vêm ganhando corpo de forma expressiva nos últimos anos.
“Entre 1970 e 2021, temos cerca de 100 obras lançadas, desde crônicas, poesia, textos acadêmicos, etc. Mais de 60 dessas obras foram lançadas apenas entre 2017 e 2021, logo, é possível observar um avanço relevante para o meio”, analisa Amara.
Mas há desafios no caminho. “Apesar de todo o progresso que estamos observando, é importante reconhecer que há um longo caminho a ser percorrido quando se fala em igualdade de oportunidades. Iniciativas que promovem o incentivo e a inclusão são fundamentais para alavancar novos autores e autoras que precisam ser reconhecidos por suas obras”, destaca a pesquisadora.
A seguir, trazemos uma seleção de obras biográficas e narrativas que não apenas ampliam a representatividade, mas também oferecem um olhar sensível e necessário sobre as trajetórias de pessoas transexuais e travestis.
Confira obras biográficas e narrativas que apresentam histórias valiosas e relevantes sobre as trajetórias de pessoas transexuais e travestis:
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Neca: Romance em bajubá, de Amara Moira
Em seu mais recente lançamento, Amara Moira, escritora, ativista, doutora em Teoria Literária pela Unicamp e Coordenadora de Educação, Exposições e Programação Cultural do Museu da Diversidade Sexual, conta a história de uma travesti que reencontra um amor antigo, que atualmente começou a trabalhar nas ruas. Revisitando o passado, a protagonista embarca em uma jornada de lembranças, memórias e aprendizados sobre o tempo em que trabalhou como prostituta no Brasil e na Europa. A obra é escrita inteiramente em bajubá (ou pajubá), dialeto criado pelas travestis décadas atrás.
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Bajubá Odara, de Jovanna Baby
O livro Bajubá Odara é uma publicação de autoria de Jovanna Baby, idealizadora e fundadora do Movimento Trans do Brasil. A obra traz uma versão expandida e mais completa de Diálogo das Bonecas, de 1992, que foi o primeiro dicionário da língua criada pelas travestis brasileiras, o bajubá. Bajubá Odara ainda tem relatos sobre o nascimento do movimento político e social organizado por travestis no Brasil, entre 1910 e 1992.
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A queda para o alto, de Anderson Herzer
A obra reúne as poesias e textos biográficos de Anderson Herzer, o primeiro autor transexual publicado no Brasil, com relatos sensíveis sobre sua difícil história de vida permeada por abandono familiar, uma infância marginalizada, preconceito e os maus-tratos que sofreu na antiga FEBEM durante a ditadura militar, até encontrar a pessoa que o ajudou a conquistar a liberdade, Eduardo Suplicy, à época deputado estadual de São Paulo. É um livro impactante, comovente e profundo, que preserva a memória de um poeta talentoso, cuja escrita continua sendo inspiradora até os dias de hoje.
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Velhice transviada: memórias e reflexões, de João W. Nery
Esse foi o último trabalho do escritor e psicólogo João W. Nery, o primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, país onde a expectativa de vida de uma pessoa transexual não é muito alta. Por isso, João decidiu escrever sobre suas reflexões e experiências na velhice, e como foi sua trajetória de vida até se tornar um “transvelho”, termo que ele mesmo criou. O livro também conta com entrevistas e histórias de outras pessoas transexuais idosas compartilhando suas memórias e vivências.
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Eu, travesti: memórias de Luísa Marilac, de Luísa Marilac e Nana Queiroz
A artista, comunicadora e ativista Luísa Marilac, que viralizou na internet com um vídeo de seu bordão “E disseram que eu estava na pior”, conta sua história de superação após sofrer com a falta de afeto familiar, episódios de violência e o sofrimento na época em que se tornou uma vítima de tráfico sexual na Europa. Combinando o humor presente em sua personalidade com relatos sensíveis e emocionantes, ela revela como se manteve esperançosa com uma vida que era sem perspectiva, até dar a volta por cima e alcançar a felicidade.
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A construção de mim mesma, de Letícia Lanz
Letícia é psicanalista, palestrante, mestra em sociologia e especialista em gênero e sexualidade. Nesta obra, ela conta sua história de vida e como foi o seu longo processo de autodescoberta como uma mulher transgênero aos cinquenta anos de idade, após se ver em uma cama de UTI. Narrando suas reflexões, medos e experiências, Letícia nos convida a refletir sobre aceitação, os estigmas de gênero implantados pela sociedade e a liberdade de finalmente conseguir ser quem é.