Contas de um leitor
por Rafael Caneca
No final do ano, as estatísticas me encaram com a frieza de quem tem números, mas não intenções. Abro o aplicativo onde registro minhas leituras e lá estão eles: os livros lidos em doze meses. Quarenta e sete, para ser exato. Não é um número redondo, mas tem um som agradável. Como uma melodia em compasso ímpar.
Quarenta e sete. É muito? É pouco? Depende. Tem gente que lê cem e não se acha leitor suficiente; outros se gabam do único que conseguiram terminar. E há aqueles que não leem nada, porque preferem a prática à teoria, ou porque os livros lhes parecem coisa de outro mundo. No fim, não é uma corrida. Mas por algum motivo, todos acabamos nos medindo uns aos outros – e a nós mesmos – por esses números.
A verdade é que não começo o ano com uma meta - já fiz isso, mas hoje em dia não mais. Leio por impulso, por paixão ou por pura teimosia. Livros demais, às vezes; de menos, noutras. Vou registrando no aplicativo mais como um diário do que como um placar. Não é para competir com ninguém, muito menos comigo mesmo. É apenas para lembrar. De que li aquele romance que me rasgou por dentro ou daquele conto que li numa tarde e ficou na memória por meses. Conto histórias, não números.
E ainda assim, quando chega dezembro, faço as contas. Olho a lista e me pego revisitando o que li, como se folheasse mentalmente cada página. Tem algo reconfortante em ver as capas enfileiradas, os títulos bem ordenados, cada um ocupando seu lugar. Uma espécie de inventário do que me atravessou ao longo do ano.
Quarenta e sete livros. Um deles, um calhamaço de quase seiscentas páginas que li com a paciência de quem cultiva um bonsai. Outro, um livro de contos que devorei numa madrugada. Alguns vieram de indicações, outros, de pura curiosidade. Houve aquele que larguei na metade, porque a vida é curta e não vale a pena insistir numa história com a qual você não se identifica.
Às vezes me perguntam: "Quantos você leu este ano?" Respondo o número e recebo olhares que vão da admiração à pena, dependendo da régua do interlocutor. Mas o que isso importa? O que conta não é a quantidade, mas o que ficou. O que um livro transformou, o que outro confirmou. A leitura não se mede em páginas. Mede-se em pausas.
Talvez, no próximo ano, eu leia menos. Ou mais. Não faz diferença. Continuarei registrando no aplicativo como quem guarda cartas antigas. Porque, no fim, não leio para atingir metas. Leio para me perder em histórias e, vez ou outra, me encontrar.