2 de dezembro de 2024

As viúvas passam bem, de Marta Barbosa Stephens

Margarete e Guiomar são vizinhas e viúvas. Tornaram-se viúvas no mesmo dia e pela mesma tragédia: a briga e morte de seus maridos, Richard e Alexandre. Richard vitimado por um tiro fatal dado por Alexandre, por sua vez, morto com facadas desferidas por Richard. A partir daí, tornaram-se inimigas, nutrindo algo entre o ódio, a amargura e o luto, um ressentimento profundo transmutado num apego tão potente e irracional, numa dor que partilham e carregam.

A materialização desse sentimento dá-se por meio de picuinhas, de pequenos atos de vingança e deboche, fazendo a a vida girar em torno da tragédia tal qual um astro em torno do Sol. O tempo e a vida deixaram de seguir a marcha comum dos dias para se perder num giro infinito no mesmo lugar.

Com Margarete e Guiomar, a classe média recifense dos anos 90, imersa em  tradições e valores conservadores, apegada às aparências e profundamente preocupada em manter certa reputação, com essa gama de coisas que acontecem de modo implícito, preservadas no "não dito", em seus pecados e acertos, entre a omissão e a celebração.

De certo modo, isso reverbera na viuvez como presença, como preservação de um luto que o tempo apagou, apenas para manter preservada a reputação e a vingança. Contudo, a vida se impõe, pede passagem, abranda o que resiste para fazer florescer outras possibilidades, ainda que aprisionadas por tentativas de sufocamento.

A concisão e a leveza com que a narradora nos apresenta as viúvas, com esse último S bem acentuado pelo sotaque recifense, é uma delícia. É conversa de calçada com os parentes e vizinhos e amigos. O romance é daquele que optam por te contar uma boa história, te trata como íntimo e segreda ao pé do ouvido, num canto de parede, tudo que sabe sobre Margarete e Guiomar.

Marta Barbosa Stephens nos apresenta um livro leve, divertido e, para mim, um leitor nordestino, com sotaque, mormaço, brisa e aromas que só quem já pisou em Recife – ou outra de nossas cidades – poderá compreender.

P. S.: A versão em audiolivro é narrada pela Izabela Pimentel e seu sotaque genuinamente recifense, o que torna a experiência ainda melhor.