1 de outubro de 2024

Algólidas, de Alex Sens

[Órbita] 

Uma lua nasce do lado esquerdo do palco. Do direito, o sol. De cada lado, uma luz, e no meio, sentada numa cadeira de balanço, uma mulher. Ela ergue o braço direito e retira de dentro do ouvido uma agulha de tricô de ouro (com um pouco de cera e fiapos de carne). O movimento produz o som de uma colher rasgando um suflê: sflic. Ouve-se o som através dos alto-falantes do teatro, alguns embaixo da plateia. Ela segura a agulha com força e espera. Da orelha, escorre um fio de sangue que cobre seu pescoço, depois a clavícula e então o corpo inteiro. Em seguida, retira a segunda agulha de tricô do ouvido esquerdo, desta vez de prata, produzindo um segundo fio de sangue. Com as duas, passa a tricotar um tecido com os fios que saem de sua cabeça. Algo dentro dela se destrava: ouve-se um mecanismo se desdobrando entre os miolos. Então os olhos saem do lugar. O olho esquerdo se descola da cabeça: ploc!, flutua diante do rosto, passa pelo nariz. O direito faz outro movimento: de fuga, fluc!, afundando para dentro, se escondendo. O barulho de um peixe furando a água, as escamas desse peixe cortando essa água. E ela permanece tricotando. O olho direito desaparece dentro do crânio. O esquerdo faz uma volta, entrando na cova do outro olho, afundando também, e fica por alguns segundos, enquanto o olho direito deixa a cabeça pelo outro buraco. Ela não deve terminar o tecido de sangue, continua tricotando, seus olhos girando, saindo e entrando do crânio. Os olhos orbitam o nariz, o osso do nariz, e giram. Então a língua dela para o movimento dos olhos — um vê o mundo, o outro, do lado de dentro, não vê. Mas só por algum tempo: ela guarda a língua, chupa os lábios com um estalo, acionando outra vez o carrossel dos olhos, que não param de girar. A atriz morre em cena assim que vem a tontura. A apresentação é feita apenas uma vez. Não há orçamento para sangue de mentira.

 

O que Algólidas traz de diferente dos seus dois livros de contos anteriores e como você se sente em relação a este novo lançamento?

Para mim, o conto é um território onde posso me arriscar mais. Enquanto o romance me traz um conforto de casa de vó, onde tudo parece mais comum, lento e tradicional, o conto é o banheiro químico do inferno. Em meus dois primeiros livros de contos eu quis experimentar um pouco do absurdo e do exagero que a imaginação e a arte permitem, e em Algólidas eu extravaso um pouco isso. Talvez a maior diferença deste trabalho para os anteriores seja o grau de maturidade na escrita e o transbordamento do improvável, do grotesco e do violento, que abracei sem medo. Antes eu brincava com as possibilidades, agora eu as jogo no fogo, faço sorvete com as cinzas e alimento os dragões que me incomodam.

Com esse novo lançamento, sinto que posso aproveitar ainda mais do que a Literatura oferece, passar um pouco dos limites e continuar avançando por terras perigosas mas interessantes. Se não fosse assim, que graça teria?

 

Quais são suas expectativas para o recebimento deste livro, uma vez que há três anos você estava sem publicar?

Espero que as pessoas se sintam desconfortáveis, mas que não sofram com esse desconforto, que abracem a beleza que existe no ridículo, no grotesco e até mesmo no horror. A literatura existe (também) para criarmos o impossível, para pensarmos o invisível, para chegarmos em lugares intocados. Também espero que essas histórias mostrem que não precisamos temer a imaginação, ela é fonte generosa e ilimitada.

 

Você acredita que os leitores e as leitoras estão preparados para vislumbrar essa sociedade grotesca e absurda que acabamos por encontrar nos 18 contos do livro?

Nem todos estão, mas não podemos procurar num livro o mesmo prazer que sentimos quando comemos uma sobremesa, brincamos com nossos filhos ou transamos. O prazer da leitura e todas as suas implicações, embora individuais, são de outra instância, compostas de outra forma — às vezes desafinada. E as raízes de tudo o que acontece nos 18 contos de Algólidas, assim como todas as emoções neles exploradas, são demasiadamente humanas, então também fazem parte todos nós, inclusive dos leitores que negarem sua estranheza. 

 

SOBRE O LIVRO

“À maneira das estrelas eclipsantes que intitulam este volume, os contos de Algólidas são uma constelação ofuscante em seus excessos de obscenidade e beleza.

No jardim de pequenas delícias celestes cultivado por Alex Sens, tudo é tão imprevisível quanto estranhamente possível, como se o autor colhesse sua matéria narrativa do campo dos nossos sonhos mais perturbadores. Aqui, criaturas de diferentes espécies, idades e temperamentos convivem na órbita do absurdo, sempre suscetíveis a chocantes contingências, narradas no estilo sensual, repulsivo e jocoso que tonifica a prosa agridoce do contista.

A oscilação destes astros efêmeros ora obscurece os sentidos, ora ilumina o que permanecia oculto nas sombras do real, mas invariavelmente marca, de forma permanente, o olhar de quem se atreve a encará-los sem medo da cegueira solar.”

- Tamlyn Ghannam

 

 SOBRE O AUTOR

ALEX SENS nasceu em 1988, em Florianópolis. É autor dos romances O frágil toque dos mutilados (Autêntica, 2015) — vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e semifinalista do Prêmio Oceanos —, A silenciosa inclinação das águas (Autêntica, 2019) e O obsceno sono dos ciprestes (Autêntica, 2021). No conto, publicou Corações ruidosos em queda livre (Penalux, 2018). Vive em Lyon, na França.

 

DADOS TÉCNICOS

Título: Algólidas
Autor
: Alex Sens
ISBN
: 978-65-5681-165-9
Edição
: 1ª
Dimensões
: 14x21cm
Nº de páginas
: 132
Gênero
: Contos
Ano
: 2024
Valor
: R$ 56,00

 

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