23 de agosto de 2024

A poesia sempre será importante

I.

Não me lembro bem o dia em que abandonei a poesia. Foi em algum lugar ao longo de 2007, quando me deslumbrei com a vida acadêmica. Por ingenuidade, pensei que estas atividades eram excludentes: ou seguir uma carreira científica na Literatura ou escrever poesia.

É verdade que segui rabiscando clandestina e esparsamente, me escondendo da crítica de amigos e amigas cujas vozes foram minando a minha percepção da poesia – outra ingenuidade é a de ser maleável à opinião alheia, ter a personalidade bamba, cair no poço do outro.

Mas ainda bem: o que é nosso retorna: não morre de todo: brota novamente em algum canto esquecido da vida, insiste e persiste. A poesia insistiu. E voltou. Ou eu voltei pra ela, melhor dizendo. Isso foi em 2017, dez anos depois.


II.

Sempre fico surpreso quando um poema dá nome ao que sinto. Aconteceu isso no final das minhas férias com o "Elegia 1938”, de Drummond. Eu já havia lido esse poema há muitos anos na faculdade, mas o Paulo daquela época ainda não entendia nada da vida (e em muitos casos segue sem entender).

O fim das férias anunciava o retorno à torneira inutilmente aberta, à vida desperdiçada, aos 29 dias de sufoco para 1 dia de redenção salarial. Eu estava sentindo uma espécie de ansiedade por ir embora da praia (e nem gosto de praia). Segui sem entender, até que o Instagram me colocou um vídeo do Caetano declamando Drummond.

A primeira estrofe, uma paulada na minha cara:

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Estes versos deram nome à minha raiva, resumiram os motivos do meu desânimo e do meu sangue agitado, me lembraram que o capitalismo brutaliza.

Reli o poema várias vezes e não saí do estado de tristeza à felicidade. Não é para isso que serve a poesia, se é que serve para alguma coisa. Fiquei foi aliviado por entender o que eu estava sentindo naquele dia, por encontrar em Drummond o motivo da minha angústia – entender a angústia também é uma maneira de aliviá-la parcialmente.


III.

É lícito que a poesia nos abandone, sobretudo para quem escreve. Mas como leitores e leitoras, o perigo se agiganta: estamos nos afastando do gênero literário mais antigo do mundo, da forma de comunicação estética mais aberta e revolucionária, avessa a regras e padrões, o espaço de linguagem onde somos livres para provar a suspensão da ordem (que tanto buscamos subverter inconscientemente).

 

IV.

Quando houver dúvida, voltemos a Hilda Hilst, que diz: “Eu acho que a poesia sempre será importante. Porque a poesia pretende humanizar o outro. E nessa época nossa de brutalidade e de selvageria, através da poesia pode haver um instante de redenção”.

 

 

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Crédito de imagem: Ekaterina Belinskaya/Pexel