16 de julho de 2024

Quem é Ana?

Ana Borja é uma mulher dentro do script. Ou não. Não saberemos ao certo. Ana teve seu passado sem a presença constante da mãe que morreu prematuramente, e um pai que também se foi cedo. Ana costurava a vida como que uma colcha de retalhos, estudou, formou-se, ganhou prêmio literário, casou e teve filhos.

Até que um dia...veio a separação, em meio a esse turbilhão, a preocupação com os filhos diante desse processo. Vem à tona a descoberta de que seu filho mais velho estava envolto a um universo conspiratório de que a terra era plana dentre outras coisas para ela consideradas inaceitáveis.

Sem entender como o filho chegou a esta situação, Ana cria em sua mente diversas hipóteses pressupondo serem as prováveis causas do caminho escolhido pelo filho adolescente. Ela revê toda a sua vida na tentativa de encontrar o ponto perdido desse elo com o filho, em que busca justificar todo o momento que enfrenta e só vê cenários imaginados, os piores possíveis, principalmente com a separação do marido.

Tudo não passa de uma jornada desesperadora de uma mãe na lida com uma nova situação familiar, o que para ela seria tranquilo o divórcio, a descoberta das leituras do filho abriu um turbilhão de questionamentos sobre tudo o que fez até culminar nessa fatídica decepção.

O leitor vai adentrando nesse divã de Ana, e senta-se diante dela como que um psicoterapeuta, tentando ligar os pontos de tudo o que ela relata. Parece tão real cada situação, que são cenas tão comuns do cotidiano de milhares de mulheres bem-sucedidas, mães e no ápice do seu esgotamento mental e físico. O medo, a ansiedade e os conflitos internos culminam com uma paranoia ao ponto de Ana não distinguir realidade e imaginação.

O livro é uma metaficção, em que a autora, Camila Nicácio, nos traz uma importante reflexão sobre o adoecimento que tem acometido muitas pessoas no mundo contemporâneo como os tipificados transtornos psiquiátricos de personalidade como boderline, bipolaridade, esquizofrenia, dentre outros.

O limiar entre invenção e realidade nessa história cabe ao leitor desvendar ou acreditar, acho que foi isso um dos pontos que me prendeu nessa história, tentar entender o porquê de tantos conflitos e a personagem não buscou ajuda. Uma dificuldade comum de enxergar a si mesmo e ver que tem um problema e revelar a quem é próximo para um apoio.

O título é bem sugestivo nesse sentido, “É tudo inventado, mas não é mentira”, traduzindo a ideia de que as histórias narradas por quem está vivendo o problema pode ser apenas algo da cabeça dela, mas que acontece o tempo todo na realidade e acaba se transformando a verdade de muitos doentes psiquiátricos.

 

Camila Nicácio nasceu em Belo Horizonte (1977) e foi criada em Oliveira (MG). É professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Autora dos livros de poesia Courts-métrages, poèmes visuels (Éditions Thot, 2011) e Ensaios para quase (Impressões de Minas, 2022). É tudo inventado, mas não é mentira é seu primeiro romance