8 de maio de 2024

Padecer de retornos

There’s nothing more embarrassing than being a poet.
Elizabeth Bishop, The Art of Poetry No. 27


Minha mãe e meu pai sabem faz tempo. Não entendem o que significa ou como se alimenta, mas não estão totalmente alheios à realidade. Assumir nunca foi necessário, embora alguns sinais me denunciassem: notas espalhadas pela casa, versos anotados na contracapa dos livros da escola, um menino olhando pro tempo, pro vento, pro nada. “Tá pensando em quê, menino?!”. Nada não, mãe… eu pensava em coisas que ainda me pensam: o fogo verde dos besouros, o trem serpenteando a montanha (os restos do estrondo dele chegando aos meus ouvidos), esse vizinho tão bonito que quer ser meu amigo, nunca mais vi a professora que me ensinou a ler e escrever. Nada não, mãe… fico pensando que a nossa rua não se cansa de ser morro, sinto saudade de ver a chuva batizando a montanha, gosto de desenhar rostos felizes no prato de arroz com feijão. Não é nada não…

Depois, vieram os livros: caída (Letramento), de 2018, está esgotado (o que não necessariamente é bom); em 2021, lancei o homem à espera de si mesmo (Mosaico), trabalho pandêmico que vendeu pouco, porque a poesia é isso mesmo: ciscos perdidos no chão do mundo: são muitos, mas as pessoas passam, pisam, cospem ou mijam em cima, algumas derrapam e poucas leem esses mapas dispersos de pedra.

Meus pais sabem. Eu é que demorei para dizer “Sou poeta”. Alguns incômodos: a reação das pessoas, os muros de sentido comum se erguendo e me fechando, o problema que anunciava Drummond: ser poeta significa adotar um nome, corpo e jeito? Carlos querido, não se trata de adotar, mas de redescobrir um nome, corpo e jeito já existentes aqui dentro. Jorge Luis Borges avisa: a poesia nos coloca em contato com o que em nós existia e estava esquecido. Por isso, ser poeta é padecer de retornos – sem paraíso.