29 de fevereiro de 2024

Pseudopoética

I


A poesia deve circular, seja na voz ou no texto escrito, em formato impresso ou digital. E as redes sociais ajudam muito nesse processo: há uma escrita poética forte circulando por aí. Mas ando incomodado com um fenômeno paralelo (ou complementar): essa moda de picotar um clichê em pedaços e rearranjá-lo em uma estrofe. Isso cria uma falsa impressão de que as pessoas estão compartilhando e lendo poesia – quando, na verdade, não estão. Esses pequenos textos, muitas vezes retirados do senso comum ou de uma prosa suspeita, têm ganhado “adesão métrica”, configurando, assim, uma pseudopoética.

II


Não gastarei estas linhas para definir poesia ou poética. A limitação dessas definições me lembra aquela vez em que Santo Agostinho tentou explicar o tempo: “Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”. Mesmo assim, não é contraditório dizer: o critério do gosto poético pode ser subjetivo, mas o critério conceitual não deveria ser: nem tudo o que reluz é ouro; nem tudo o que foi versificado é poema.
Os tempos e as estéticas avançaram. A versificação e a métrica já não são os únicos fatores que definem a poesia – e ainda bem! Por isso mesmo, usar tais estratégias está longe de configurar a poesia em si. Basta lembrar, por exemplo, do surgimento da prosa poética ou do poema em prosa.

III

Das dúvidas que me surgem: a pseudopoética gera pseudoleitores/as? Em termos de construção artística, a pseudopoética mobiliza uma pseudoestética? Há uma avalanche de equívocos?
Todas essas perguntas têm a ver com a ideia de “pseudo-” enquanto “pretensão de ser” e, nesse sentido, me parece que sim: esse hábito de recortar frases freitas e organizá-las em estrofes acaba por criar instâncias que se pretendem poéticas, que se pretendem leitoras, que se pretendem estéticas.

IV


Querem bons poemas nas redes?

Pesquisem nomes como Adriane Garcia, Ana Elisa Ribeiro, Débora Rossi Fantini (Diburim), Amanda Ribeiro, Matheus Guménin Barreto, Luiza Romão, Marcelino Freire, Rubi Souza, João Nunes Júnior e Mar Becker (que citei na crônica passada).

Procurem essa galera boa!