Lili: novela de um luto, de Noemi Jaffe
“... escrever sobre a história é uma forma de intervir nela, modificando-a. A história pura não existe; mesmo que acabo de contar pode estar muito longe do que aconteceu.” (p.47).
Nessa pequena, gigantesca e admirável obra, Noemi fala sobre a morte de sua mãe e os dias que se sucederam – compostos de uma vida consoladora, complicada e complexa -, e em como o luto é um processo muito intenso e doloroso. São memórias profundas que, arrancadas no/do tempo, são postas nesse relato e fazem com que a gente sinta que conhecemos a Dona Lili há bastante tempo, como se ela fosse parte de nossa família; nos sentimos tristes e com um profundo sentimento de luto como se pertencêssemos a esse meio.
Ao ler cada página, podemos sentir uma tristeza abissal, mas ao mesmo tempo um conforto acalentador. Dona Lili, sem dúvidas, foi um ser humano incrível. Os momentos e detalhes minuciosos destacados pela escritora mostra isso com tremenda maestria. E é incrivelmente absurdo pensar que uma mulher tão forte – que sobreviveu ao terrível e massacrante holocausto – tenha morrido por causa de um acontecimento, que, se comparado a tudo que passou, foi tão banal – uma infecção que começou em um dos dedos do pé.
Um livro que fala profundamente da dor, do sofrimento e das condições que todos, um dia, serão capazes de atravessar, seja na condição de quem perdeu ou na condição de que se foi. Essa obra é, acima de tudo, uma das coisas mais humanas que já apreciei. O sofrimento de alguém ao perder um ente querido mostra a verdadeira dor de que se possa atravessar. Essa dor se torna mais dolorosa quando é a personagem mais íntima que temos em toda nossa existência: a Mãe, “... palavra perfeita, com a qualidade inteira dessa condição e cujo som não só coincide, mas é o seu próprio significado.” (p.12).
E assim, “... a vida continua (aí é que está o problema) ...” (p.30)
“... A vida continua, claro, mas agora com a morte...” (p.51)
A “Dona Lili das coisinhas”. Agora, vivemos nós sem essa personagem que nos ensinou, através dos relatos da autora-filha, o sentido da vida e como tem que lidar com ela.