Nunca é tarde para começar a viver
Pegar o pouco de roupa, uma kombi velha e seus sonhos e desejos guardados e simplesmente dá no pé, como dizem por aí, sumir do mapa, ir em busca de si, foi a atitude de Josy, personagem da trama, que vai conduzir essa história. Parece loucura pra uns, mas para quem vive a história tem um significado e um sabor diferente. E a partir desse ponto de vista que a autora Aimee de Jongh traz em “Sessenta Primaveras no Inverno” publicadaeste ano pela editora Nemo. Não é sobre andar sem rumo, sem destino, isso que vamos descobrir a medida que lemos a HQ.
Na data de seu sexagéssimo aniversário, Josy largou tudo, seu casamento de anos, filhos, netos, casa e o conforto da cada, para viver o que nunca viveu, a sua liberdade. Em resumo, ao longo de sua nova jornada ela descobre novas amizades, um novo amor e perde esse amor, volta pra casa e vê que na casa dela nada mudou e novamente decide ir embora definitivamente.
Mas nem tudo que Josy enfrentou nessa nova jornada foram flores, os embates constantes com.o filhos que não conseguem ouvir a versão da mãe, o posicionamento unilateral e ao mesmo tempo ser incompreendida ao ponto de ser transformada na vilã da história. Fugir do passados e das amarras, ter que ficar se justificando pra sociedade seu comportamento, "inesperado", o tempo todo a personagem tenta sair dessa caixa social que viveu por anos e ao mesmo tempo querem colocá-la de volta nesse lugar da qual ela já não se enxerga mais como parte do script da sociedade, da família tradicional, linda e feliz.
A narrativa é carregada de sentidos e reflexões. É de uma coragem, uma força que vem totalmente de dentro. Não foi fácil para Josy, assim como nunca foi fácil para quem passou por isso numa sociedade patriarcal, machista e preconceituosa.
A narrativa aborda tantos temas como mudanças, das quais requer coragem e ousadia. Não tem como falar de mudanças sem falar de rompimentos e barreiras. Sair do ostracismo é também um dos pontos abordados na graphic novel. O etarismo, patriarcalismo e tantos outros preconceitos de uma sociedade que vive e prega o padrão. Uma sociedade cega e refém das opiniões alheias. Mas Josy não estava sozinha, encontrou apoio de onde nunca se imaginava. Daí tudo foi criando seu contorno na sua nova fase de vida.
O final dessa história é que ela encontra a resposta, a certeza de que ela fez certo e deveria não sofrer pela escolha de ter feito tudo que fez.
Se tem uma crítica a ser feita a esse quadrinho é que poderia ter continuidade, porque seu final me deixou querendo saber mais de Josy. E é uma excelente história, bem novelista, com conflitos diversos que merecem ser abordados e aprofundados.
A HQ 60 primaveras no inverno é de uma representatividade pouco vista, a dos 60+ que se descobrem lgbts+. Foram muitas cenas tão lindas desse quadrinho, mas a mais marcante é a final em que Josy toma as rédeas da vida, sendo dona de si e assumindo sua verdadeira liberdade de ser, com este sorriso no rosto ao sair de sua casa pela segunda vez! Foi lindo! Sorri junto, porque é de uma vivacidade e coragem essa história!