“Os humanos são imprevisíveis” em Vira-lata virador
A relação entre humanos e pets nem sempre é linda. A HQ “Vira-lata virador”, de Grégory Panaccione, publicada pela Nemo, é uma adaptação do romance de Daniel Pennac, que traz uma história do ponto de vista de Cachorro entre ser um pet livre e um pet adotado.
Não é apenas uma história de aventuras, a narrativa aborda as relações conflituosas e constantes de aceitação das diferenças entre ser um cão de rua sem raça definida (SRD), mais conhecido como vira-lata e cão de raça cheios de tratamentos especiais e certo glamour.
Narrada do ponto de vista de um vira-lata que fora abandonado em um lixão, onde conhece outros cachorros, além de aprender a sobreviver no ambiente inóspito e cruel com Cara Preta, um cão idoso que já foi adotado por uma dona. Ao final de sua vida, Cara Preta dá um conselho para Cachorro, ao ir à cidade ter cuidado com os carros. Então Cachorro promete a si que vai à cidade em busca de uma dona.
Nesse trajeto de busca por um novo lar, novos desafios e cheiros, dão lugar a uma paisagem urbana e movimentada que todo cão de rua conhece bem. Assim, ele segue na busca por uma dona, adentra em algumas residências, lojas, é bem quisto em uns e enxotado por outros.
Até que um dia...é levado para um canil onde conhece o lado obscuro dos cães que são eutanasiados quando não é reclamado por algum dono(a). Histórias de abandonos de quem já teve dono, a sorte dos cães de raça serem adotados no canil enquanto os demais ficar pela sorte do destino. Até que um belo dia, Cachorro é escolhido por uma menina, Milu, mas que ele se refere a ela como Maçã.
De início parecia que ambos estavam indo bem até as férias terminarem. Na volta pra casa, a relação entre eles mudou completamente. E aos poucos, Cachorro foi percebendo que estava sendo deixado de lado por a Maçã. Com o tempo os pais de Maçã não estavam se adaptando bem com a presença do cãozinho no apartamento enquanto a menina estava na escola e até mesmo em casa sua presença era ignorada por ela. Cachorro lembrava dos conselhos de Cara Preta e se remoía por seu fracasso em não conseguir adestrar a sua dona. Até que um dia...Cachorro resolveu fugir.
Andou por vários lugares, conheceu outro cão e outro dono, que para ele eram apenas amigos. E descobriu o que era ser um cão livre. Com o novo amigo, ele aprendeu os truques para adestrar uma dona. E a partir daí, seu objetivo foi reencontrar sua dona, a Maçã, e aplicar os truques aprendidos e estabelecer o laço afetivo que lhes faltava.
A narrativa conduz o leitor para uma série de aventuras, e ela traz uma perspectiva mais realista do que falar de coisas fofas como vemos nas redes sociais além de retratar o lado sombrio que os cães vivem com o abandono, a fome, violência, perigo, brigas etc.
É um erro acharmos que o ser humano tem que condicionar ou como se dizia antigamente domesticar o animal a ser como queremos, na verdade, a HQ nos mostra que temos que respeitar a natureza deles e sua essência animalesca, e nós seres humanos devemos nos adaptar a dar-lhes condições básicas e mínimas para viverem ao nosso lado como são.
Ensinar não só nossas crianças, mas adultos também, a entenderem que animais não são brinquedos nem passatempo, são seres vivos que têm suas necessidades e sensibilidades. Eu sou daquelas que acredito que tudo que é vivo tem alma, então deve-se ter o cuidado e zelo para com cada ser vivo que está conosco.
Outro aspecto interessante da HQ é revelar o quanto que somos impelidos a dar valor alguém ou alguma coisa quando a perdemos.
Toda relação precisa ser cultivada, bem cuidada pra ser eternamente cativa. Foi o que o Cachorro nos ensinou nessa lição de vida de cão!
Seres humanos podem ser imprevisíveis como afirmou Cachorro, mas a descoberta do amor é a coisa mais certa nesse quadrinho.