Jesus orgulhoso!
Junho de 2023: esses dias, um pastor famoso disse que Deus odeia o orgulho. Mais um homem de fé usando a estratégia da ambiguidade com má fé. Ao ser ambíguo, ao mascarar, ele até hoje consegue negar qualquer intenção homofóbica, mantendo-se fiel à hipocrisia que ele chama de liberdade religiosa. Já sabemos que essa história é antiga: a dissidência de gênero não é permitida nem na casa do Senhor, nem na casa do André Valadão – dois lares com CEPs bem diferentes.
O medo das palavras começou na minha infância: o meu pai e outros adultos me mandavam ajeitar a munheca. Passei a achar munheca uma palavra abominável, sobretudo quando associada a mim. Feito robô, comecei a policiar a munheca, que não podia desmunhecar nunca. Os meus olhos andavam atentos às mãos, corpo vigiando e punindo o corpo. Quantas vezes eu me senti mal por ter munheca...
A escola também me apresentou palavras duras: eu estremecia ao escutar boiola, viadinho e bicha. Ou então: Olha só como ele anda. Olha só ele correndo. Já apanhei ao som dessas palavras e frases, sem dimensionar bem que mundo era aquele que desmoronava sobre mim. Eu sabia que tinha algo a ver com a linguagem, com os nomes dados a alguma coisa errada na minha carne.
O recado do mundo era: há algo do que se envergonhar. Algo fincado no oposto do orgulho, na imposição da vergonha.
A Igreja Católica reforçou o meu medo das palavras. Fez o seu papel. Cheguei ao ponto de admitir a minha homossexualidade para negá-la, ainda na busca pela aceitação, pelo orgulho.
No meio disso tudo, a vida me deu algumas brechas: pude sair do Brasil e conhecer a realidade sexual a que pertenço. Pude habitar a mesma geração – e o mesmo nome – do Paulo Gustavo, o homem que construiu humor performando o próprio corpo gay (e que morreu de COVID-19, nas mãos de um governo negacionista). Pude atuar no campo dos estudos de gênero e verticalizar o meu conhecimento teórico sobre as realidades LGBTQIA+.
Pude ser poeta e revisitar a linguagem à minha maneira. Pude me reconciliar com as palavras que me enojavam. Pude amá-las. Graças a isso, consegui morrer menos a cada dia. Consegui não querer morrer assim de supetão. Consegui não querer tirar a minha vida.
Pastor André:
o meu orgulho é ter perdido a coragem de morrer,
o meu orgulho é ter chegado até aqui,
o meu orgulho é estar vivo,
o meu orgulho é saber que amo a minha munheca,
o meu orgulho é não proferir palavras ambíguas para plantar morte no coração de pessoas marginalizadas.
O meu orgulho é viver e fazer viver. Jesus estaria orgulhoso!!! Eita, glória!