Muitas lutas em diferentes batalhas, o percurso narrativo de Fabien Toulmé
Nas obras de Fabien Toulmé é possível identificar diferentes lutas. A luta contra o preconceito em "Não era você que eu esperava", a luta contra a doença em "Duas Vidas", a luta pelo tempo perdido e pelo amor em "Suzette", a luta pela sobrevivência por um refugiado de guerra em "A Odisseia de Hakim", há uma unicidade temática da qual em "Os reflexos do mundo: na luta", Fabien não foge do assunto. Ele faz um tour pelo mundo em diferentes países e culturas, e mais uma vez percorre sobre as lutas de grupos de resistência.
Neste quadrinho, recém lançado no Brasil pela editora Nemo, temos 3 histórias resultantes de uma pesquisa feita pelo quadrinista em viagens a 3 países, para compreender os motivos pelos quais algumas pessoas enfrentam situações que expõe à própria vida em risco em prol de melhorias, de justiça etc. Neste percurso Fabien vai buscar no discurso de lideranças de movimentos de luta entender suas motivações.
Embora Toulmé nesta HQ apresente uma narrativa minuciosa do seu processo de pesquisa, das viagens, dos percursos, pensamentos e ideias, traz um panorama histórico de conflitos sociais e de gênero conhecidos que ele resgata com uma narrativa paralela durante o desenvolvimento da HQ. A graphic novel traz histórias contemporâneas e reais, de mulheres que estão à frente de movimentos que serão um retrato das diferentes lutas de uma mesma face, a feminina.
Se olharmos para a nossa história pessoal, familiar, social e cultural, veremos que toda mulher é um ser de luta. Luta para ser respeitada, para ser reconhecida, para ser e não ser a expectativa de uma sociedade patriarcal, misógina e machista, luta para ser feminista e ter seus direitos. É um pouco disso tudo que Fabien Toulmé descortina nessa HQ.
Esses reflexos dessas mulheres em diferentes lugares do mundo que são apresentadas neste quadrinho por Toulmé sirvam de inspiração para que nada seja esquecido muito menos em vão. Suas vidas representam uma vitória de muitas batalhas diárias de uma guerra de segregação que deve ser abolida.
A HQ possui mais de 340 páginas e poderia ser mais direta e focada nas histórias colhidas nas entrevistas que ele fez. Há de se observar que suas análises e colocações ao longo da narrativa é um contraponto que demonstra um discurso bastante reducionista quanto aos assuntos que dizem respeito às minorias em desfavorecimento social e político.
Um dos pontos mais interessantes na HQ ao perceber em todas as 3 histórias o quanto que a cultura é o motor que dá voz às lutas políticas enfrentadas pelas mulheres retratadas.
A parte que mais me chamou atenção é quando em um determinado momento na fala de uma das entrevistadas ela explica para o quadrinista que quem esteve à frente na luta lgbtqiapn+ no combate a AIDS nos anos 80/90 eram mulheres cis, héteros e casadas. Não eram pessoas lgbts que lideravam qualquer movimento de luta pela causa homoafetiva. Um detalhe do qual captei com atenção, a presença do espírito de alteridade, mais uma vez, a liderança feminina sempre esteve à frente das causas que envolvem grupos silenciados pelo preconceito. O que tendemos a achar como motivação para essas mulheres defenderem causas das quais não fazem parte do seu quadro social como pessoas atingidas de forma direta, talvez por que consideramos que elas de alguma forma acompanharam o sofrimento alheio. Mas pelo visto nem sempre, neh? Nesta linha de pensamento de quem vê de fora essas jornadas de lutas, intuito é de se solidarizarem com as vítimas seja por sororidade ou empatia, então acreditamos que isso seja o motivo para que elas se tornem lideranças. Mas a verdade, o espírito de liderança é sempre por um propósito maior que a si mesmo e ao seu entorno apenas.