Flores para Algernon, de Daniel Keyes
“A ignorância é a maior enfermidade do gênero humano” – Cícero.
Lançado originalmente em 1959, o livro é um clássico da literatura norte-americana, vencedor dos importantes prêmios Hugo e Nebula, além de inspirar o filme ‘Os Dois Mundos de Charly’, que consagrou Cliff Robertson com o Oscar de Melhor Ator em 1968.
A história começa com o protagonista Charlie, um homem de 32 anos, portador de uma deficiência intelectual grave.
Apesar de sua condição, Charlie julga ter uma vida boa. As risadas estão sempre presentes na padaria Donners, onde trabalha como ajudante. Nas aulas da professora Kinnian, ele é o melhor aluno e possui um sonho ambicioso: ser inteligente.
Em busca de uma vida “normal”, Charlie é escolhido para participar de um experimento científico revolucionário, que promete aumentar o QI do paciente. Este mesmo experimento fora realizado com sucesso em um rato, de nome Algernon.
E, para acompanhar a evolução do rapaz, os cientistas pedem que ele mantenha o registro de seus dias escrevendo um diário, pelo qual conhecemos o mundo aos olhos de Charlie.
A leitura destes registros é muito comovente, pois a escrita do rapaz é vacilante e repleta de falhas:
“O Gimpy sempre grita com migo quando eu faço alguma coisa poco certa, mas ele gosta bastante de mim porque ele é meu amigo. Nossa se eu ficar intelijente ele vai si surpreender de mais.” pg 13.
Depois da cirurgia, Charlie desenvolve um intelecto extraordinário. Seus diários se tornam mais complexos e, em curto período de tempo, ganha do rato Algernon nos testes de inteligência.
A partir daí, o drama se inicia. O rápido desenvolvimento intelectual não acompanha o crescimento emocional e Charlie começa a entender o verdadeiro significado das risadas que lhe cercavam.
“Antes, riam de mim, desprezando-me por minha ignorância e estupidez; agora, eles me odiavam por meu conhecimento e compreensão. (...) Eu me pergunto o que aconteceria se colocassem Algernon de volta na gaiola grande com alguns outros ratos. Eles se voltariam contra ele?” pg. 104
A inteligência, que ultrapassa a dos próprios cientistas do experimento, traz as lembranças da infância, de uma mãe cruel e instável, um pai apático e uma irmã que nunca lhe deu amor.
É impossível não se emocionar com as descobertas do rapaz. O coração fica à beira da alma a cada sinal de decepção e insegurança em relação às pessoas.
“Que estranho é o fato de pessoas de sensibilidade e sentimentos honestos, que não tirariam vantagem de um homem que nasceu sem braços ou pernas ou olhos, não verem problema em maltratar um homem com pouco inteligência.’’ Pg. 185.
Entendemos então que Charlie viveu no escuro durante sua vida inteira e, ao libertar-se da ignorância que o aprisionava, a luz do conhecimento acaba por cegá-lo.
A história é muito mais complexa do que um rapaz em busca de obter um QI alto. É um estudo profundo sobre a busca de uma pessoa pelo amor daqueles que deveriam protegê-lo. A jornada para encontrar uma companhia para segurar-lhe a mão, enquanto tateia a caverna em busca de uma saída para a luz.
“Inteligência é um dos maiores presentes humanos. Mas muito frequentemente a busca por conhecimento exclui a busca pelo amor. Isso é outra coisa que eu descobri recentemente. Apresento a vocês como uma hipótese: inteligência sem a habilidade de dar ou receber afeto leva a um colapso mental e moral, para neurose, e possivelmente até para psicose” pg. 229
Comovente, “Flores para Algernon” é daqueles livros que tocam na alma, que nos tiram o ar quando acaba. É impossível não se emocionar com os relatos diários de Charlie, suas reflexões profundas sobre si mesmo e a percepção quanto à realidade que o cerca.
O livro nos ajuda a refletir que, mais do que a ignorância, talvez a maior enfermidade do gênero humano seja a falta de compreensão do outro. Em tempos de “Ode a falsos gênios”, Charlie nos ensina que a inteligência não determina o valor de alguém, pois o conhecimento sem empatia e doses de amor não vale de nada.
por Camila Vendramin