A vida descaço, de Alan Pauls
Disseram-me que Alan Pauls não precisaria de apresentação, que, certamente, sua literatura falaria por si. E fazia tempo que eu o esperava, apesar de já ter alguns de seus novos livros, publicados pela Companhia das Letras nas prateleiras das estantes. Quando a vida descalço chegou, entregando o mínimo na capa, eu me entusiasmei. O tempo se mostrou fiel perante as quase cem páginas que o livro traz.
Olhando pra capa, eu não quis analisar, apenas segui o traço da primeira frase do livro Sonha-se muito na praia. Parei e fiquei pensando sobre o que trataria a narrativa. Eu pensava, até, que seria um romance curto, uma novela. Por vezes, me entrego aos livros sem saber de nada, sem ler sinopse, apenas porque algumas pessoas em quem confio me entregam um pouco das suas paixões. Fui e compreendi que a praia, tão quista e analisada por Pauls no livro era o espaço, o objeto e o sujeito das linhas.
Quando resolvi voltar à capa, compreendi a escolha solar, poete, que integra a capa e que dá fundo à imagem da garota que parece assoar o nariz ou limpar o rosto na toalha esquecida em uma cadeira sobre o que deveria ser areia. a vida descalço começa a fazer sentido. Mas por que, então, se sonha na praia?
Alan Pauls vai dizer que O lugar não tem luz elétrica [...] Em outras palavras: sonha-se muito porque a praia é um território livre de imagens. Todo o seu sex appeal – e também sua invejável capacidade de alienar – repousa nessa espécie de castidade icônica, que as paisagens marítimas só compartilham. Essa é apenas uma das várias maneiras que ele nos dá sobre a questão do sonho e da praia, logo após, a nudez vai surgir como elemento motor para repensar o espaço que os corpos ocupam, mas, mais do que isso, a praia começa a se estabelecer como um elemento antropológico, onde as relações humanas vão ser vistas pelo olho da memória, no caso, do próprio Pauls, que parece voltar à infância e buscar a relação, não apenas pessoal, mas familiar, que possui com a praia.
Nesse ponto do livro, começo a me entregar ao ensaio que vai se construindo, em meio às ligações que o autor vai criando, de maneira simples, as relações filosóficas que a praia possui e com os nomes – Camus, Foucault, Diderot, pra citar alguns – que podem nos ajudar, quem sabe, a entender a praia como uma ferramenta da liberdade, mas também como um espaço prisional. Ou como a praia traz consigo, mais dos que os corpos do surf, a colonialidade sempre presente na história dos povos.
A praia, então, se transforma, durante todo o livro, uma zona-limite que nos interpõe, enquanto leitores, aí para revermos os passos que facilmente se apagam. A praia. O que representa a praia? Para o trabalhador, uma possibilidade de descanso, de paraíso, de austeridade momentânea. Não é todo mundo que pode ir à praia, seja pela questão financeira, sela pelo tempo que levaria até ela. Ao mesmo tempo, o que se vê na praia? As barracas que trazem consigo uma história familiar, ou uma história de amor perdida num verão qualquer, seja entre adolescentes ou entre fugas amorosas entre pessoas que se desejam.
Por fim, a praia de Alan Pauls não é igual a minha ou a sua. Ele lembra, mais ao fim, que enquanto menino franzino, quase parecido um alemão, de tão loiro e pele branca que era, ao ver a praia do Rio de Janeiro se decepcionou pelas incongruências que a infância lhe fez imaginar sobre a praia. A areia branca, mais espessa que a farinha, e mais pesada que a estava acostumado a ver.
Entre a escrita de Pauls nesse livro de memórias de veraneio, digamos assim, ou quase uma minibiografia, traz ainda algumas imagens de um menino magricelo, na praia, com os cabelos ao vento, ao lado de um cachorro, ou solitário, ou com outra criança. Até que ao final, um menino sob as cobertas. A fuga da praia se dá sem o desejo, sob um sol escaldante, com um estado febril. O menino, então, se pergunta Por que logo comigo e hoje, com este sol?
Ele deve ter cuidado ao melhorar, a praia pode ser uma armadilha que nunca mais voltará a se abrir.