A talentosa família Ribkins, de Ladee Hubbard
O A talentosa família Ribkins (com tradução de Alejandro Reys) é um daqueles romances difíceis de encontrar um jeito para começar a falar. Partindo de um ensaio de W. E. B. Du Bois, a escritora afro-americana Ladee Hubbard nos apresenta uma envolvente história de sobrevivência, reencontro e descoberta, a partir do encontro entre Johnny Ribkins, um ex-ativista dos direitos humanos, aos 72 anos, com a adolescente Eloise, filha de seu falecido irmão, quem desconhecia a existência.
Johnny se vê obrigado a partir numa viagem pela Flórida para pagar uma dívida a um agiota que ameaça a sua vida, e de quem ele roubou dinheiro enquanto trabalhava para ele desenhando mapas. Sim, você não leu errado Johnny tem um talento especial, como todos os Ribkins (enxergar no escuro, escalar paredes, soltar faíscas da mão etc.), mapas do que se vê e do que não se pode ver. Crescendo e envelhecendo num país que persegue, tortura e mata negros, havemos de convir que essa é uma habilidade incrível, o poder de sobreviver ao saber por onde ir, mesmo os caminhos parecendo confusos e tortuosos.
Johnny precisa escavar buracos com coisas e dinheiro que deixou para trás, e se vê levando Eloise, a sobrinha desconhecida, com ele. Assim, vamos junto com a menina conhecendo os Ribkins e também a história familiar e do antigo Comitê de Justiça, antigo grupo que lutava como podia pelos direitos civis. A cada parada, um novo fragmento da história família, desde o patriarca Rib King (que tem sua história contada no segundo romance da autora, ainda inédito por aqui), passando pelos outros Ribkins, e chegando no próprio Johnny e em sua relação com o irmão.
E essa jornada apresenta-se como de duplo aprendizado. Eloise vai descobrindo a família paterna e compreendendo o próprio talento, ainda inexplorado e compreendido, por vezes, como uma vergonha, um fardo pela garotinha. Uma menina negra talentosa tendo de se esconder, fingir ser limitada, porque isso causa espanto e hostilidade de todos a sua volta. Um modo nada gentil de dizer que ela deve conhecer o seu lugar.
Johnny é um sobrevivente. Envelhecer é a prova contumaz disso. Entretanto, sobreviver não é o mesmo que estar bem e feliz. Ele lamenta a morte do irmão, o fim do velho comitê e a sequência de erros e tropeços pavimentando seu caminho até o presente. Se descobriu o amor mais genuíno e sincero ao conhecer o irmão Franklin, e experimentar a amargura e pleno dissabor ao saber de sua morte, termina por, pouco a pouco, redescobrir um propósito para organizar a própria vida, escapar da cilada em que se encontra, se reconciliar com o passado, para poder contruir um futuro com a sobrinha.
Esse olhar para o passado com todo o peso e desesperança que ele pode trazer e redescobrir um futuro em Eloise, um novo motivo pelo qual lutar é um ponto central na relação construída pelo romance entre tio e sobrinha, entre velho e adolescente, de descoberta da ancestralidade como meio para vivenciar o agora e construir o amanhã. Johnny redescobre um propósito para a luta, Eloise personifica o motivo.
Se para Du Bois a salvação do povo negro estava nas mãos de homens e mulheres excepcionais com acesso à educação superior, Ladee Hubbard nos apresenta uma família de pessoas simples e com talentos extraordinários para lembrar um grande feito dos negros estadunidenses o de ser capaz de superar os limites, atravessar os muros (da pobreza, do encarceramento, do racismo etc.), desviando e construindo os próprios mapas e caminhos, desenterrando seus próprios tesouros, seduzindo com arte, ilusão e beleza, enxergando mesmo nos momentos mais escuros e descobrindo em sua ancestralidade a força para viver o agora e manter-se altivo frente às adversidades.
Os Ribkins têm o DNA de Toni Morrison, Withney Houston, Maya Angelou, Beyoncé, Jay-Z, Kendrick Lammar, Zora Neale Houston, Malcolm X, Martin Luther King Jr., George Floyd, Nina Simone e tantos outros nomes famosos e anônimos, todos extraordinários, todos talentosos, todos resisitindo e sobrevivendo a um sistema que tenta a todo tempo lhes diminuir e apontar um lugar que não lhes cabe.