Mulheres na França durante a guerra
Colaboração horizontal narra histórias de sete mulheres, cada qual enfrenta sozinha o desamparo, mas unidas contra a guerra. A HQ amarra as histórias de cada uma como um conto.
Mulheres que se sentem desprotegidas enfrentam preconceitos sexistas, o abuso doméstico, o anti-semitismo, a solidão e o medo. Todas sob o risco de alguma consequência e a pior delas: a morte. Elas encontram uma rede de apoio mútuo para enfrentar alguns perigos no prédio onde vivem. Todo cuidado é pouco, pois o inimigo não dorme quando desconfia de algo.
Rose é uma das protagonistas, é enfermeira e ajuda a cuidar e proteger uma família de judeus escondidos no prédio, além de estarem sob vigilância constante em cada movimento. Rose é monitorada pelo marido de sua prima, um soldado que além de agredir e trair a esposa grávida é um assediador e homem violento.
Um dia, um soldado alemão aparece a procura de Sarah Ansburg, a judia protegida por Rose. Pegas de surpresas, Rose resolve atender no lugar de Sarah o encontro com o soldado despertou uma paixão a primeira vista. Nessa passagem a arte em página dupla destaca os corações simbolizando o sentimento ali despertado, assim para todas as situações amorosas da HQ, um recurso visual interessante que dispensa quaisquer outra interpretação.
Desde então, Rose começa a ter atitudes estranhas que despertam a suspeita e a curiosidade dos moradores assim como as ações dos demais condôminos se tornam alvo de suspense, pois por detrás de qualquer um pode haver um delator. Alguém mais preocupado com si, trai a confiança dos demais, mas o único que é capaz de ver tudo que acontece naquele lugar é o marido de Andrée Martine, dona do prédio, Sr. Camille, embora não enxergasse, está atento a tudo ao seu redor.
As saídas furtivas de Rose, dão tons mais vivos às cores da narrativa, surge um brilho no seu olhar que emana de sua paixão proibida por Mark, o soldado alemão. Num contraste com as cores que a fazem relembrar do passado, tão sombrio e triste de um casamento infeliz que vive com seu esposo preso.
Um ponto interessante da narrativa que traz histórias de mulheres em meio à guerra onde a França estava sob o domínio dos alemães nazistas. Cada qual na luta pela sobrevivência no em que seus homens foram recrutados para a guerra, em meio a cenas de inocentes mortos a todo instante e dia após dia a angústia de estarem vivendo sob o medo da ameaça constante.
Colaboração Horizontal é uma graphic novel coerente com a proposta temática. Feita por duas mulheres, Navie que é a responsável pelo roteiro e Carole Maurel foi a artista que desenhou e coloriu a HQ. É necessário que histórias sobre mulheres sejam feitas por mulheres.
Vale destacar que além de ser uma HQ produzida por mulheres ressalta a perspectiva e o olhar feminino sobre a situação vivida por cada uma das personagens, revelando sentimentos e pensamentos de uma sociedade patriarcalista, machista e estruturalmente dominada pelo pensamento masculino sobre tudo e todos.
Segundo a sinopse da editora, o título da HQ refere-se a “um termo usado para descrever os relacionamentos românticos e sexuais que algumas mulheres francesas tiveram com membros das forças da Ocupação alemã, durante a Segunda Guerra Mundial.” Abrindo o leque para uma outra interpretação, segundo o dicionário Oxford o termo colaborar significa um ato de cooperar com algo ou com uma ou mais pessoas, ou seja, pela perspectiva da narrativa Rose, faz o papel de quem coopera com o silêncio e segredo de quem está escondido no prédio e por quem ajuda a fugir da guerra, em uma ação de empatia e solidariedade entre mulheres que se encontram desprotegidas. Outro significado, segundo Oxford seria “concorrer ou contribuir para” o que condiz com o papel da dona do edifício que incomodada com algumas atitudes das suas inquilinas e ao mesmo tempo age em prol de sua auto-proteção uma vez que seu esposo é cego, também colabora para denunciar situações suspeitas das mulheres que convive em sua hospedagem.
No sentido horizontal, podemos analisar uma situação onde não há uma hierarquia como em situações verticais em que temos o dominante e o dominado da situação, na narrativa vemos um alinhamento de gênero em diferentes situações que colaboram entre si, por si ou por todas, como forma de proteção. É por essa perspectiva que enxergo a HQ como uma forma de ver a sororidade tão necessária entre mulheres em tempos difíceis de violência.
A HQ me faz relembrar o romance que virou minissérie no Brasil, com o título “A Casa das Sete Mulheres”, em que sete mulheres reclusas e alvo de ataques durante a revolução Farroupilha, no século XIX, enfrentam o desafio tão comuns às da HQ “Colaboração Horizontal”. Um bom motivo para não só olharmos a questão de gênero fora do contexto brasileiro, mas interpretar à luz do que se passou em nosso país em situações de tensão, guerra civil e lutas. Épocas diferentes, histórias diferentes e situações diferentes, mas as mesmas lutas contra o sexismo e o preconceito.