Raif Efêndi é um sujeito sem grandes predicados, com uma existência apática e insignificante, que transita entre o trabalho de tradutor numa empresa, com colegas que o desprezam, e a família que o despreza. Fala pouco e suporta com alguma serenidade as humilhações sofridas. Não fosse sua saúde frágil nem se notaria a sua ausência.

Tudo isso intriga seu colega de firma, alguns anos mais jovem que Raif Efêndi. O mistério em torno de sua história e personalidade o leva a se aproximar mais e mais, até que num caso de pneumonia severa Raif pede ao amigo que lhe traga todos os pertences guardados em uma gaveta da mesa do escritório, e lá encontra um diário.

Somos, então, conduzidos por Raif Efêndi aos anos de 1920 e sua estada em Berlim, quando descobre na cidade um autorretrato de Maria Puder exposto numa mostra de arte moderna. Ele fica encantado e sua obsessão o leva a perseguir essa figura por Berlim. Um outro Raif Efêndi nos é apresentado, cheio de sonhos, expectativas, dúvidas, desejos e completamente apaixonado por essa judia intrigante, avant-garde, arredia ao amor e a sua domesticação feminina.

Essa história de amor tensa, pueril, em alguma medida, vai se desenrolando entre passeios por Berlim, descobertas e conflitos interiores. O seu desfecho e as surpresas dele decorrente, bem como seu potencial destrutivo a Raif Efêndi também estão gravados em sua caligrafia rebuscada e em seu relato organizado e objetivo. Se por toda a vida não encontrou amigo a quem pudesse entregar seu relato, encontra no papel em branco um confidente leal.

Originalmente publicado na Turquia em 1943, o romance de Sabahattin Ali é encantador. Uma escrita elegante e simples, sem firulas e malabarismos, fluida e concentrada na história que pretende contar.

O choque cultural, a efervescência cultural e política da República de Weimar, a vida noturna e as sequelas da Primeira Guerra Mundial despontam como cenário e elementos que conferem outra camada de densidade ao romance.

Vale a pena conferir.