A elegância do ouriço, de Muriel Barbery
Muriel Barbery reflete sobre a busca pela beleza no mundo, no inteligentíssimo e emocionante “A Elegância do Ouriço”.
A escritora francesa já é conhecida no Brasil por outros livros, como a “A Vida dos Elfos”, publicado em 2015. Diferente do cenário de fantasia que circunda aquela obra, “A Elegância do Ouriço” se passa em um luxuoso edifício, incrustado no coração de Paris.
Somos apresentados à vida enfadonha da burguesia parisiense e seu jogo de aparência. Os ‘nobres’ moradores do número 7 da Rue de Grenelle se dizem progressistas e igualitários, mesmo não sabendo o nome da única funcionária do condomínio, a concierge que ali atende há 27 anos.
Uma espécie de zeladora/faz tudo - essa é Renée - aos olhos dos patrões. Nas suas próprias palavras, é “baixinha, gordinha, com calos nos pés e, em certas manhãs, hálito de mamute”. Porém, por detrás de sua profissão e armadura cuidadosamente elaborada, esconde sua verdadeira essência, de mulher culta, amante da música clássica, literatura russa e Arte, com A maiúsculo.
A solidão e o gato Leon são seus companheiros. Prefere se manter na clandestinidade a ter que trocar falsas amenidades com a nobreza francesa do século 21. Julga que não há beleza na frivolidade dos seus semelhantes e, por isso, ela prefere passar despercebida, sem perturbar a ordem social já estabelecida.
Um dos pontos altos da descrição da personagem é o humor ácido utilizado para se referir aos moradores do prédio:
“Algum dia já se teve conhecimento de empregadas e concierges que, conversando na hora da pausa, elaboram o sentido cultural da decoração de interiores? Vocês ficariam surpresos com o que dizem as pessoas do povo. Elas preferem as histórias às teorias, as anedotas aos conceitos, as imagens às ideias. Isso não as impede de filosofar. ”
Seguindo o jogo de desconstruir estereótipos, a obra nos apresenta Paloma, uma das moradoras do prédio, filha de pais ricos e indiferentes à realidade do mundo.
Uma menina de 12 anos, que sente uma inadequação constante com mundo à sua volta. Sua meta de vida já está terminantemente decidida: ou encontra significado para sua vida ou irá se matar no dia do seu aniversário de 13 anos.
De forma leve e engraçada, Muriel estabelece uma semelhança entre Paloma, que acredita já ter decifrado o sentido da vida, com todos os nossos “eus adolescentes”. Afinal, todo mundo aos 13 anos é uma complexa somatória de crise adolescente com melancolia madura.
A apatia de Paloma pela vida é quebrada quando uma amizade pitoresca se estabelece entre ela e Renée. Ela julga todos os seres humanos ridículos, de alguma forma. Mas começa a se interessar por aquela concierge, que se finge de burra para não ter que ouvir distratos das pessoas ricas para quem trabalha.
Eis a impressão de Paloma sobre Renée (sra. Michel):
“A sra. Michel tem a elegância do ouriço: por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes”.
Por fim, temos o bem-humorado Kakuro Ozu, o novo morador do quarto andar.
O personagem não poderia se encaixar melhor à trama. O senhor japonês é um verdadeiro gentleman, qualidade nunca antes vista entre os moradores daquele prédio. Kakuro, assim como Paloma, começa a desconfiar da concierge, que recita versos de Liev Tolstói e aprecia as sinfonias de Bach. A curiosidade leva ao início de um relacionamento de amizade e amor velado entre ele e Renée.
Neste mundo, de pessoas anestesiadas pelas aparências, os três se entrelaçam e se reconhecem a partir da curiosidade despertada sobre suas vidas e, no ambiente distante da elite francesa, nasce uma amizade que transcende classe, gênero ou cor.
Por fim...
Simplesmente emocionante e visceral. A leitura é leve e de fácil compreensão, mesmo com referências artísticas não conhecidas muitas vezes pelo público em geral.
Além da densidade dos personagens, a obra traz reflexões paralelas sobre capitalismo, filosofia, cultura japonesa e a frivolidade de quem não tem que ganhar seu pão a cada dia, porque já possui a vida garantida.
Sobretudo, a obra é uma reflexão sobre a importância das pessoas certas em nossas vidas.
Com Renée descobrimos que a beleza do mundo está nas virtudes das coisas simples e sublimes, nas relações construídas com nossos semelhantes e nas trocas diárias. Afinal, “talvez seja isso a vida: muito desespero, mas também alguns momentos de beleza em que o tempo não é mais o mesmo”.
É o tom humanista da obra que faz nossos corações ficarem à beira da alma a cada diálogo entre Renée, Paloma e Kakuro.
E, se pessoas são salvas por pessoas, atrevo-me a dizer que, em algum momento, de alguma forma, Muriel me salvou com suas palavras e espero que faça o mesmo por você, que lê este texto.
“Onde se encontra a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante de uma preciosa pedrinha do infinito? ”.
Camila Reis Vendramin, formada em Direito, servidora pública, apaixonada por livros e cinema. Qual o melhor livro que você já leu? O próximo. Sempre o próximo.