Livro de guineense que se passa no Brasil é lançado pela Nós
Um escritor africano busca no Brasil suas raízes ancestrais. Ele pretende encontrar seus primos, os descendentes de Ndindi-Furacão, ancestral comum e rei da tribo dos Mahi, destituído e deportado como escravo para o Novo Mundo. Desse encontro, nasceria um livro para restaurar a memória dos africanos e seus descendentes dispersos pelo Atlântico Sul. Não por acaso, essa busca genealógica de dimensões históricas é realizada no Pelourinho, centro histórico da capital da Bahia que abrigou, como sabemos, um dos maiores portos de escravos do Brasil e das Américas.
Quem se encarrega de contá-la são dois moradores do bairro: Innocencio, um malandro que ganha a vida explorando turistas e se dirige ao herói como “Escritore”; e Leda-pálpebras-de-coruja, uma costureira cega que, não obstante, tudo vê sob a luz de Exu e o chama de “Africano”. Em princípio desconectadas, essas duas vozes narrativas que se alternam desvelam fragmentos de uma filiação esquecida, reprimida, à imagem da história que une e separa a África de suas diásporas. Aos leitores, a instigante tarefa de recompor esta filiação através dos vestígios de um passado doloroso sutilmente dispersados ao longo da trama.
Um dos raros autores francófonos a escolher o Brasil como interlocutor, Tierno Monénembo faz da história afro-brasileira, fundada no tráfico e na escravidão, o tema central de seu romance. Nesse sentido, Pelourinho pode ser lido como um desvio geopolítico dos embates pós-coloniais tão frequentemente explorados na literatura africana. Originalmente lançado em 1995, o romance coloca agora também à disposição do público brasileiro o radical deslocamento de perspectivas que o celebrado escritor guineano opera em seus caminhos transatlânticos, já que aqui é a África que se volta à diáspora em busca de sua ancestralidade.
Trecho:
Meus olhos viram bem, Exu não é mentiroso: o véu lançado ao fogo, as asas do beija-flor, o cordame de um barco sobre as ondas. Um mágico espetáculo depois da enxaqueca, figuras de tinta nanquim, uma auréola de luz cinza que se torna amarela, em seguida vermelha, formando pequenos discos leitosos como a cada vez que a vertigem me toma. Você estava lá, no meio, na contracorrente da multidão que se alastrava da igreja de São Francisco se preparando para a Bênção, sublime, imperturbável. Você subia o largo comprimindo um objeto na mão direita. Suava grossas gotas, vacilando feito vara por entre os buracos da praça. Cansado como estava, você devia vir do Comércio pela rampa do Corpo Santo. Da Saude ou do Carmo, era só descer até onde começa a subida da praça, no nível da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Para mim, então, você vinha do Comércio com sua calça de algodão e sua camiseta gasta, todos os dois completamente encharcados. Logo te reconheci pelo cheiro de seu vilarejo e suas escarificações. Pensei comigo: “Felicidade aos que se armam de paciência, Exu nunca mente. O dia prometido chegou.”
Sobre o autor
Tierno Monénembo nasceu na Guiné, em 1947, vive no exílio desde os 23 anos e hoje mora na França. É bioquímico e romancista, com mais de 13 livros publicados. Recebeu o prêmio Renaudot por Le Roi de Kahel.
**Monénembo estará no Brasil em novembro para participar de Festival Artes e Vertentes, Prêmio Zumbi e Casa Paratodos da Flip agora em 2022.
Ficha Técnica:
Título: Pelourinho
Autor: Tierno Monénembo
Tradução: Mirella do Carmo Botara
ISBN: 978-85-69020-60-8
Formato: 13 x 21
Páginas: 192
Encadernação: Brochura
Preço: R$70,00
Editora: Nós