Habitar as trevas, de Fred Sedel
Auschwitz, Jaworzno, Birkenau, Sachsenhausen, Oranienburg, Landsberg, Kaufering. Sinônimos de horror, essas palavras, impressas na capa de um livro guardado em um lugar especial na estante do meu amigo Maxime, despertaram meu interesse em conhecer o relato do autor, seu avô, Fred Sedel, o habitante dessas trevas. No entanto, demorei muito tempo para ter coragem de encarar as páginas que se seguiam aos aterrorizantes nomes.
Em 1943, aos 34 anos, o médico francês é capturado por soldados alemães na periferia de Paris e levado à Drancy, de onde inicia sua tenebrosa odisseia – como a de tantos outros – por diferentes campos de concentração e extermínio espalhados entre a Polônia e a Alemanha. Durante vinte e dois meses, de maneira improvável, Sedel tudo observa, sofre numerosos golpes de violência e de humilhação, mas resiste e sobrevive, graças a sua força, perspicácia e a uma série de lances de muita sorte que contribuíram para a preservação de sua vida.
Do final da Segunda Guerra à publicação de Habiter les ténèbres na França, em 1988, passam-se 43 anos. Sua escrita, fruto de uma dor indescritível, traz o que a memória de Fred Sedel pôde guardar e descrever em palavras do pesadelo vivido nos campos nazistas. Ao mesmo tempo que há uma riqueza de detalhes dos lugares por onde passou, uma consciência dos espaços que habitou, uma lucidez sobre sua situação física e mental e uma grande precisão médica em tudo o que observa, seu relato é marcado por imprecisões temporais, um vai e vem angustiante e a obsessão pela fuga de um presente ilógico em desconexão temporal, entre um passado e um futuro inatingíveis.
A partir da leitura iniciada em plena pandemia, momento em que vivíamos uma sensação de clausura, surgiu a necessidade de que mais pessoas tivessem acesso a esse inestimável testemunho. O enorme desafio de traduzir foi enfrentado junto a alguém direta e emocionalmente envolvido com o autor, seu neto e também médico Maxime Godard. Foi preciso, no entanto, distanciamento para respeitar as palavras, o modo de dizê-las, as marcas de tantas violências, e tempo para assimilar o relato de acontecimentos inaceitáveis. Durante todo o ano de 2021, foram muitas as pausas entre a tradução de um capítulo e outro, tempo em que refletíamos sobre as particularidades do texto, pedíamos conselhos a amigos e familiares e pesquisávamos o contexto histórico.
34 anos separam a publicação francesa e o lançamento desta edição em português. Leitura, tradução, preparação, revisão, edição. Nenhuma das etapas deste livro, em que se revive o horror dos campos, passaram ilesas à dor da escrita de Fred Sedel. O leitor de Habitar as trevas é levado a percorrer caminhos absurdos (derradeiros para muitos que os viveram), sentir o que os olhos de Sedel testemunharam, acolher seu relato e manter a mente e os olhos atentos contra toda e qualquer tentativa de violação e aniquilamento da vida e dos direitos humanos, seja onde e em que tempo for.
Texto escrito por Lucília Souza Lima Teixeira para a edição brasileira
Sobre o autor:
Fred Sedel nasceu em 1909 durante o antigo império austro-húngaro, em Lwow, atual Lviv, Ucrânia. Em Timisoara, cidade húngara na época, obteve o diploma equivalente ao baccalauréat francês. Aos 18 anos, foi estudar medicina em Paris. Em 1943, exatos sete meses depois de seu casamento, foi preso e deportado para a Alta Silésia. Após meses nos campos de concentração e de extermínio, em seu milagroso retorno, retomou a profissão de médico nos subúrbios de Paris. Fred Sedel também é autor de Le Prix du Passage (Presses de France, 1965).
Ficha técnica
Título: Habitar as trevas
Autor: Fred Sedel
Tradução: Maxime Godard e Lucilia Teixeira
Projeto gráfico: Bloco gráfico
Páginas: 280 pp
ISBN: 978-65-86135-95-4
Dimensões: 13 x 21 cm
Acabamento: brochura
Preço: R$ 68,00
Editora: Nós