Gótico Nordestino, de Cristhiano Aguiar
O gótico carrega em si diversos sentidos e significados. Podemos pensar em pessoas maquiadas com batom e lápis preto, vestindo preto e bebendo vinho em noites de lua cheia em cemitérios; ou em Robert Smith, icônico vocalista do The Cure, cantando Where the Birds Always Sing; ou, ainda, enquanto movimento artístico da Baixa Idade Média, que ergueu catedrais por toda a Europa.
Particularmente, gótico me remete à adolescência, quando nos corredores do Colégio Objetivo, no Bairro dos Estados, em João Pessoa, era apresentado ao Paradise Lost, Type O Negative, Tiamat, Lacrimosa, Theatre Of Tragedy e tantas outras bandas. E nem imagina que Wuthering Heights, canção de Kate Bush regravada no primeiro álbum do Angra, tratava-se de um dos principais romances góticos da literatura mundial, tampouco que Drácula, de Bram Stoker, um de meus romances preferidos, é classificado como romance gótico.
A passagem do tempo solidificou alguns sentidos e modificou outros tantos, permitindo apropriações e conexões diversas do gótico e de sua estética. Se outrora estava vinculado a figuras pálidas, magras, europeias e ao desfalecimento e fragilidade do Romantismo, recentemente ganhou novos ares, perspectivas, cenários e sotaques, sobretudo em seu tempero latino-americano. Nesse sentido, as argentinas de Mariana Enríquez e Samanta Schweblin, a equatoriana María Fernanda Ampuero e a brasileira Verena Cavalcante têm utilizado elementos do gótico para ressignificar experiências autoritárias e da maternidade, denunciar o abuso e violência infantil, bem como os excessos e distorções de modelos econômicos exploratórios e suplantadores de desigualdades brutais, e tudo com tons e sotaques próprios (como o caipira em Macaúba, conto de Verena Cavalcante).
De certa maneira, é isso que o paraibano Cristhiano Aguiar realiza nos contos de seu Gótico Nordestino. Em nove contos, apresenta elementos e histórias que se fundem e confundem com causos e lendas universais e locais. Assombrações, visagens, vampiros, seres encantados misturam-se a paisagem do semiárido nordestino, aos espectros urbanos das médias e grandes cidades nordestinas (como Campina Grande e Recife), amalgamadas a lembranças e recordações familiares e infantis.
Se por "gótico" se pensar "terror" se frustrará, certamente, o leitor mais ávido por sustos, sangue e morte. A apropriação do gótico remete mais a tentativa de resgate estético, sublimando o desconhecido, o sobrenatural e as coincidências inexplicáveis, inclusive para pensar e repensar aspectos éticos, morais e de fé do cotidiano das personagens e de nosso atual contexto sociopolítico.
O passado não aparece como sombra, mas iluminado pela reconstrução feita pela memória, rico em detalhes e carregado de simbolismo, sentimento e nostalgia. Aqui desponta mais que nunca o "nordestino", diluído no cenário, reconhecível nas histórias e atmosfera de cada narrativa, não sem, como dito, trazer um tom nostálgico com jeito das contações dos avós, pais, vizinhos, oscilando entre alerta e denúncia, com potência para enfeitiçar crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Os contos passam por um Nordeste mais rural (como Anda-luz e Vampiro) ao mais urbano (como Lázaro e Anna e os insetos). Há os que se passam num Nordeste etéreo, guardado nas memórias ou num espaço-tempo indefinido (A noiva).
Por tudo que dissemos, Gótico Nordestino surpreende positivamente. Cristhiano consegue fazer um livro que mescla lendas à histórias familiares e cotidianas, dramas existenciais e transgeracionais, compondo um livro fluido, divertido e consistente.