Se um homem morde um cão
As teias de identificação que construímos por meio da literatura são muitas e múltiplas, sobretudo com o uso das redes sociais. Faz um tempinho conversei pelo Instagram com o Matheus Guménin Barreto, um poeta que venho lendo há algum tempo e cuja escrita - aconselho vivamente - deve entrar para a nossa lista de leituras. Entre uma mensagem e outra, falamos um pouco sobre o prazer da escrita literária e sobre o que é a poesia (ou sobre o que ela deve ser, sem nenhuma presunção teórica - somos, ele e eu, apenas poetas em construção).
Essa conversa me lembrou o escritor Otto Lara Resende: numa crônica de 1992, o jornalista mineiro trouxe a imagem do homem que morde um cão, tão propícia para explicar não apenas a função da notícia, como quis o autor, mas também o papel da poesia: espantar, assustar, colocar as leitoras e leitores bem na pontinha do abismo, fazendo com que sintam a queda sem cair. Fazendo coro às teorias da comunicação, o cronista afirma: um cão mordendo um homem não é notícia porque tal fato apenas engrossa o corpo corriqueiro da vida; já um homem mordendo um cão traz uma novidade forte e assombrosa, capaz de fazer com que o leitor sinta (por instantes) a perplexidade.
O que há detrás de um homem que morde um cão? Esta é a pergunta que a poesia deve responder. O mesmo questionamento pode ser colocado em palavras ainda mais ordinárias: que deslocamentos e espantos se escondem por trás da obviedade, do clichê, do corrente?
A poesia tem, assim, a função de romper com a vista cansada, outra imagem de Otto Lara Resende (também em 1992): ver algo muitas vezes é não ver, é normalizar - e a poesia ocupa o lado contrário deste movimento de letargia visual. Por isto mesmo indico a leitura da poesia do querido Matheus Guménin Barreto: outros modos de ver a mesma coisa, novos espantos e assombros ocupam cada esquina da poesia desse rapaz.
Procurem o Matheus: a escrita dele cumpre o papel que cabe à poesia. Vale a pena e o espanto!