Os mínimos contos de Raquel Matsushita
Publicado pela editora Sesi-SP a autora estreia com contos para adultos
As coisas mínimas são múltiplas e tão comuns em nosso cotidiano. Assim defino o pequeno grande livro inaugural de Matsushita. A autora de forma concisa e objetiva mostra que não é preciso uma narrativa longa para relatar com tamanha precisão elementos insignificantes que ganham dimensões reflexivas e contundentes.
Os microcontos são verdadeiras imagens literárias que se formam em nossa mente ao lê-los. A capacidade de Raquel em transformar um pequeno texto em uma imagem cênica, nos leva a comparar a mesma potencialidade dos haicais que por via de regra tem suas regras de composição que remetem a imagens da natureza. A natureza dos contos de Raquel são de cunho social, do ordinário, situações ignoradas por muitos e nos provocam de maneira a repensar o olhar que lançamos sobre algumas situações que nos revelam absurdas, mas são reais.
Por mais curtos que sejam seus textos, são de uma riqueza de detalhes sem muitas delongas, a autora consegue criar cenas, diálogos que ganham vida própria e dinamismo.
Algumas frases se tornam marcantes como em “Amizade” por exemplo, “Pai e mãe é a rua”, onde a realidade marginal é escancarada numa só frase definindo aquele que fala no discurso, a voz de quem nunca tem voz é dada por Raquel em seus contos. O microconto “Rebelião” é um mix de eventos, um protesto e um nascimento, ambos jorram sangue onde a vida inicia e termina.
É preciso estar atento a cada trecho, frase do livro para criar cenas, imagens e situações carregadas de conflitos e ações. Em “Fada do dente” o conto revela o ponto de vista de uma criança inocente que não percebe que o casamento dos pais em desgaste e acha que o conflito deles é por culpa sua devido a um dente, mal sabe ela o que é uma vida a dois, seu universo é rodeado de coisas de criança, onde dificilmente consegue perceber como a relação humana é difícil de se compreender.
Não há muito que se alongar sobre esse pequeno livro se não ler ou ouvir as histórias nele contidas. Um verdadeiro livro para releituras e reflexões, pequeno, curto e profundo.
Li a versão impressa e depois tive a oportunidade de viver a experiência de ouvir o livro pelo audiobook, confesso que são duas experiências diferentes, mas ouvir os contos me fizeram ter percepções mais intensas do livro. Além de ser acessível para quem não pode ler como pessoas com deficiência visual, também é excelente opção para quem não tem tempo de parar e ler. Ouvir a narração do livro enquanto executa outras atividades manuais, operacionais ou até mesmo em um engarrafamento, em pé no ônibus lotado tem sido a melhor coisa que já fiz nas últimas semanas quando não estou com disposição para ouvir notícias, músicas, podcast ou rádio. Fica a dica!