vila mathusa sai pela incompleta
Cartas, contos, diário e até um thriller narram as histórias entrecruzadas dos moradores transgênero de uma mesma vila
Composto por oito textos, vila mathusa conta as histórias entrecruzadas de moradores transgênero que habitam uma mesma vila na capital paulista. Explorando formas e atmosferas diversas, como as narrativas de detetive, cartas e diários, a autora zênite astra contempla momentos de perda, ternura, suspense e humor, sob a perspectiva de personagens tão distintos quanto Aurora e Rubi, duas crianças em um dia de aventuras, e Mathusa, a travesti que é a "matrona" da vila.
Temas como o envelhecimento, os afetos e o sentido de comunidade são tratados com riqueza visual. Soma-se a isso uma cuidadosa pesquisa histórica sobre as memórias de um Brasil autoritário, que não desiste de se presentificar na vida de corpos dissidentes.
"Sua escrita vai nos maravilhando com percepções de grande sensibilidade, o que me faz pensar numa mistura toda peculiar de Manoel de Barros com Conceição Evaristo.
Senti vontade de chorar em não poucos pontos, sorri feito besta em outros tantos. Saio fortalecida dessas páginas, com a convicção de que estamos amadurecendo, expandindo nosso raio de alcance e reafirmando o poder dessa que é uma de nossas maiores armas: a literatura". escreve Amara Moira no prefácio.
Trecho da obra:
"Boneca e Monique descem as ruas com confiança e cautela. Andando por essa região, sabem que é preciso levar consigo um pouco de cada. Atentas, não baixam a guarda na caça ao yawá-ocó. Para Boneca, que há anos sai para trabalhar todas as noites por aquelas esquinas, a região por onde passam é familiar e hostil. As ruas da boca do lixo se embrenham, apertadas como o coração de uma mãe que não dá conta de todas as filhas e filhos, deixados a contragosto à sorte e ao frio. Naqueles quarteirões entre a Praça da Luz e a Praça da República, ferve a vida que escapa feito mato pelas rachaduras: travestis, prostitutas, mendigos, malandros, cineastas e violeiros se divertem e trabalham, comem e passam fome, dançam e choram, vivem e morrem. A boca do lixo, pensa Boneca, o edi da capital – por onde escoam ônibus, filmes e putas, do coração vibrante da Estação da Luz para o país inteiro. As duas vão caminhando e se entretendo com os cartazes dos cinemas de rua, especializados em filmes cujos títulos escrachados e apelativos fisgam aqueles em busca de diversão ou de uma punheta.
Pegam uma esquina errada, e o engano se faz evidente nos segundos que levam para enxergar uma viatura e ouvir a voz de um alibã. Parece disposto a fazer da vida de alguém um inferno."
Sobre a autora
Zênite Astra nasceu em 1995 em Ribeirão Preto, no interior paulista, de onde saiu em 2013 para morar em Campinas, cidade em que reside até hoje. É licenciada em Letras pela Unicamp e atua como educadora. Em sua produção artística, explora prosa e poesia, e faz da experimentação com diferentes linguagens uma tentativa de dar conta de realidades plurais. Se interessa por investigar a memória, a resistência e a formação de comunidades nas experiências trans, não binárias e travestis. Em 2019 produziu, de maneira independente, três zines, “os zênis”. Em 2020, participou como expositora na NHAÍ – Feira de Literatura e Arte Impressa, organizada pela Casa 1. No mesmo ano, publicou o conto “o meu nome quer dizer verdade” na revista Uso nº 3, em formato digital. vila mathusa é seu primeiro livro.
Ficha técnica:
Título: vila mathusa
Autora: zênite astra
Prefácio: Amara Moira
Ilustração: Céu Isatto
Tamanho: 13.5 x 20.5 cm
Acabamento: brochura
Nº de páginas: 144 pp
ISBN: 978-65-88104-08-8
Preço: R$53
Editora: Incompleta