A menina comunista e o menino guerrilheiro chega ao Brasil
HQ argentina que resgata memórias de uma ditadura chega ao Brasil pela editora Quadriculando
Com uma impressão que reúne o testemunho e o histórico, o poético e o abstrato, como faz a memória de uma criança, a artista María Giuffra publicou na argentina a história em quadrinhos A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro, um belo e terrível livro que compila, além de sua própria, dez histórias de infância sob a ditadura narradas por crianças dos desaparecidos. Foi publicada originalmente pela Historieteca Editorial com o apoio do Fundo Nacional das Artes e chega agora ao Brasil pela editora Quadriculando.
A edição nacional da HQ tem uma edição caprichada, com 152 páginas em preto e branco, formato 29x21 cm, papel offset fosco e capa dura, com pré-venda com 30% de desconto no Catarse a partir de 31 de março (https://catarse.me/meninacomunista).
O livro foi construído a partir de entrevistas abertas, sem gravações, que foram materializadas com desenho livre. Giuffra viajou pelo país e tomou notas dos testemunhos, para que as histórias digerissem, entrelaçassem, a busca não foi jornalística, mas crua e emocional.
O pai da artista plástica María Giuffra desapareceu em 1977, quando ela tinha apenas seis meses de idade. Como adulta, como parte do grupo HIJOS, Giuffra só conseguiu descobrir o destino de seu pai graças ao trabalho da Equipe de Antropologia Forense. Ao longo de sua vida e de sua profissão como artista socialmente comprometida, colegas e amigos sempre a encorajaram a contar essa história: a história do desaparecimento de seu pai, de sua fuga com sua mãe e de sua primeira infância no exílio no Brasil, de seu retorno à Argentina aos oito anos de idade, e de seu encontro com a pintura e o desenho como catalisador de uma infância difícil. E, de certa forma, ela o fez: dedicou grande parte de seu trabalho a lidar com o tema da memória, da infância, do exílio e das consequências da ditadura, simplesmente através da vida dos outros.
Maria Giuffra precisava terminar de contar sua própria história, mas também - e tendo feito anteriormente impressão em serigrafia, pintura, documentários, entre outras coisas - experimentar de uma vez por todas sua linguagem favorita: a língua dos quadrinhos. Ela a descobriu em sua infância no Brasil, passando horas em quadrinhos como Mônica e Luluzinha, mesmo antes de aprender a ler, já em sua vida adulta apaixonou-se pelos livros de não-ficção de Joe Sacco e Maus de Art Spiegelman.
"Eu queria fazer isso assim. Sim, para falar de minha história, mas também através do coletivo, porque acredito que minha própria história nasce no coletivo. Parece-me que a maneira de entendê-la e para que outros a entendam é saber que minha história não é algo que aconteceu com uma pessoa, nem mesmo com uma geração, mas que faz parte de um momento histórico que afetou toda a sociedade argentina, mesmo as pessoas que pensam que não as afetou", diz Giuffra.
Seu método de trabalho para este projeto peculiar foi, também, com uma técnica peculiar. Ela decidiu não abordar as histórias de forma jornalística, não em sessões de entrevista, não indo a lugares-chave, nem mesmo fazendo perguntas específicas. Ela fez assim: visitou dez pessoas em diferentes lugares da Argentina que concordaram em dar-lhe seu testemunho, e sem usar câmeras ou gravadores, simplesmente se sentou na frente deles com seu computador no colo e disse: "fale-me de sua infância". Os resultados são ao mesmo tempo muito poéticos e muito difíceis, uma mistura do horror da história e a candura do olhar de uma criança.
Talvez este método, com uma pergunta tão padrão e aberta, permitiu que os entrevistados vagueassem por suas memórias com uma liberdade emocional incomum. O livro, então, sem um fio narrativo necessariamente lógico e linear, e com uma estrutura e estética muito punk, é composto de ideias, sensações, memórias e declarações literais dos entrevistados, revisitadas por desenhos livres, em diferentes técnicas e estilos, pela artista. "Para mim, os quadrinhos são a maior arte de todas. Isso me permitiu mostrar e contar essas histórias de uma maneira mil vezes mais direta do que uma pintura, acho que a história em quadrinhos é mil vezes menos elitista do que uma pintura. Na verdade, acho que é melhor que um livro, melhor que uma pintura, mistura o melhor da imagem e da palavra. Trabalhei da mesma forma com minha série de pinturas "As Crianças do Processo", através de conversas com os sobreviventes, mas agora a história em quadrinhos me permitiu pegar esses testemunhos crus e colocá-los literalmente no trabalho. Realmente me deu muito prazer fazê-lo, embora seja muito doloroso e eu passei muito tempo chorando, de todo o trabalho que fiz, este é o que eu mais gostei", afirma Maria Giuffra.
Nesse momento, a artista roda a Argentina colhendo testemunhos para o segundo volume de A Menina Comunista e o Menino Guerrilheiro. Um livro necessário, uma contribuição para a construção da memória coletiva.