A literatura contra os algoritmos
Há alguém escutando tudo o que dizemos (e não é deus). Se falo “viagem”, o Instagram logo faz saltar na minha cara anúncios de passagem aérea, com promoções mentirosas – o tal do chamariz. Se falo “sapato”, o Facebook (farinha do mesmo saco) enche a minha linha do tempo com propaganda. Se falo “Fora Bolsonaro”, sou cancelado, tenho a conta deletada etc. – isto porque não há nenhum problema ético em invadir a privacidade ou espalhar fake news, mas protestar contra o presidente, ah, isso não pode (Oi, Lollapalooza! Oi, Chavoso da USP!).
Os algoritmos estão por toda parte, são os tecnovigias invisíveis do século XXI. Eles escutam as nossas palavras e usam-nas para influenciar não apenas o nosso desejo material, mas também o nosso posicionamento político: quanto mais vejo um conteúdo com o qual concordo, mais concordo comigo e menos discordo de mim, menos exerço o tão valioso pensamento crítico (que passa também por ser autocrítico). Quanto mais concordo comigo, mais discordo do Outro. Quanto mais discordo do Outro, mais quero eliminá-lo, eliminá-la, porque o Outro precisa fundamentalmente ser apagado pela minha razão, a única possível. Como vemos, os algoritmos entraram até na Filosofia.
Estes dias me perguntaram se tenho medo da morte dos livros físicos, do fim das bibliotecas e livrarias – disse Não, sem hesitar, por um motivo (literalmente) concreto: a livraria é um lugar sem dispositivos influenciando a nossa intuição literária. Não há barras de busca digital nas livrarias – há apenas estantes com a básica indicação de tema, autor/a ou gênero literário. Os livros não escutam nem leem as nossas mensagens no celular. Eles não processam os nossos dados para, na página seguinte, meter um anúncio indesejado com base em preferências e desejos. As estantes das livrarias e bibliotecas não têm pop-ups, páginas de lead ou notificação de cookies saltando aos nossos olhos, nem mesmo um botão “Clique e descubra” ou “Baixe aqui”. Os livros digitais eu já não sei, mas as livrarias e bibliotecas não são uma miríade hipertextual sustentada por mil mecanismos de processamento da informação.
Não sei se estarei vivo para ver, mas haverá um dia em que estaremos enojados da saturação tecnológica, dos algoritmos e de sua manipulação implacável, invisível. Quando esse dia chegar, as bibliotecas e livrarias serão o único refúgio possível, um lugar onde poderemos estar fora da mira dos algoritmos, o único espaço onde poderemos falar, escrever e principalmente pensar sem um software coletando os nossos dados para sempre.
Há alguém escutando o que dizemos. Espero que escutem (ou leiam) isto.