Mais maus que bons, porém sinceros
Leio poesia todos os dias – e não apenas no dia 21 de março. Escrevo também. Entre poemas bons e maus (mais maus que bons, porém sinceros), escrevo desde os meus treze anos de idade. Sobretudo nessa fase de limbo que é o adolescer, a poesia foi para mim uma forma de catarse. Entre uma rima e outra, resolvi problemas hormonais e amorosos, familiares e identitários, senti prazer e alívio, fui livre a cada verso.
Desde que comecei a escrever poemas, sigo achando uma pena os mercados editoriais desprezarem os potenciais de circulação da poesia. Em minhas aulas de literatura, eu sempre dizia: quem aprende a ler poemas consegue penetrar qualquer texto… e não é verdade? A leitura do poema exige uma flexibilidade de pensamento e, ao mesmo tempo, desenvolve em quem lê um imaginário sempre mais plástico e mais profundo, uma percepção menos gratuita do mundo, um refinamento dos sentidos e da realidade por eles captada. Qualquer outro gênero literário, de uma forma ou de outra, acaba por entregar um pouco mais de sentido a quem lê. A poesia não… ela convoca o sujeito a um movimento doloroso e intenso de coprodução de significado. Isso não é fácil, principalmente nestes tempos de imposição semiótica do imagético – esta máquina de fazer preguiça. Talvez por isso a poesia não venda tanto: ela não se entrega aos facilitismos deste sistema econômico que emporcalha o universo editorial.
No início do ano, por casualidade, topei com uma amiga espanhola num café que não frequento muito. No decorrer da prosa, comentei que escrevo poesia, que lancei um livro recentemente etc. Ela ficou muito feliz, como é praxe, e logo me fez o seguinte comentário: “Um amigo da minha mãe também escreve poesia. Ele é um homem assim… muito doído, muito sensível. Parece que, para ser poeta, a pessoa precisa ter uma dor essencial, uma melancolia profunda…”. Bom, optei por dar uma risada efêmera e não refutar a percepção romântica dessa minha amiga (afinal, estávamos num café e não numa das minhas aulas de literatura).
O que me move em direção à escrita não é uma dor essencial ou uma melancolia profunda. O que acontece comigo foi vivido e enunciado pela implacável Carolina Maria de Jesus: como todas as pessoas que escrevem, sinto-me constantemente impelido pelo que ela chamava de “pensamento poético”, essa vontade contínua de escrever sobre tudo, essa afetação que me faz pegar a caneta e resolver um incômodo na escrita.
Poesia exige prática. Muita prática. E quando pegamos o gosto, já era: o vício está cumprido. Ainda assim, ando entre versos bons e maus (mais maus que bons, porém sinceros).