Um lugar (nada) comum
Como Minas Gerais pode surgir na literatura?
Hoje, ao contrário do que vocês esperam, quem responde esta pergunta não é o querido Drummond, mas sim a mineira – e também querida – Nara Vidal.
Primeiro, a literatura da Nara chegou aos meus olhos por notícias, quando ela recebeu o prêmio Oceanos, em 2019, com o romance Sorte (2018). Como naquela altura eu já estava atolado de leituras e trabalhos, não consegui ler o romance laureado com um dos maiores prêmios da língua portuguesa.
Depois, e graças às pontes que fui tecendo no infinito-digital, a escritora (também mineira) Ana Elisa Ribeiro me apresenta à Nara e à sua linda Revista Capitolina, onde em 2021 publiquei o conto “Amigo feliz”. Aqui foi quando Nara e eu começamos a conversar online e a trocar figurinhas literárias sobre esse meu conto e sobre outras leituras e escritas no meio do caminho.
Como a vida é feita de encontros e desencontros, o meu terceiro contato mais efetivo com a Nara foi no mês de novembro de 2021, bem na porta da Livraria Travessa, em Lisboa: ela, saindo com alguns livros; eu, entrando para comprar a obra completa de Cecília Meireles. Embora eu tenha boa memória fotográfica, a máscara pandêmica me impediu de identificar plenamente aquele rosto que eu conhecia por fotografias. Pese um meio rosto tapado, ainda assim pude intuir nos olhos da Nara alguma familiaridade. Entretanto, essa certeza foi insuficiente para que eu pudesse sair da minha timidez e falar com ela. Deixei-a ir.
Minutos depois, arrisquei enviar-lhe uma mensagem pelo Instagram, perguntando se a pessoa que vi saindo da Travessa era mesmo ela. A Nara me disse “sim”, “por que você não me chamou?” etc. Admiti a minha timidez, rimos numa breve troca de mensagens e continuamos a tecer uma boa prosa ao longo dos dias, semanas e meses seguintes.
Recentemente, um novo encontro surgiu entre nós: numa live, a Nara comentou sobre o seu livro Lugar comum (2015), uma coletânea de crônicas sobre a vida em sua cidade natal: Guarani. Baixei o livro no Kindle imediatamente e comecei a ler os textos, sedento dos sinais, dos cheiros e formas da minha terra fechada por montanhas e amor.
Cada crônica de Lugar comum foi, para mim, uma emoção: vi-me na garotinha que sofre ao ouvir as músicas em inglês (sem entender a letra), ri com a menina pobre que recortava bonecas de papel e chorei com as dignidades perdidas em tantas enchentes. Uma Minas Gerais foi crescendo em mim até explodir na personagem de Dona Antônia, a mulher que “morava em casa caprichosa lá pros lados de cima de um morro que desembocava perto da Rua do Comércio” – eis, numa descrição, a cartografia da minha infância: uma terra cheia morros e plena de subidas e descidas.
Lugar comum mapeia uma Minas Gerais adormecida no meu coração. Nara, obrigado por despertar essa doçura mineira esquecida nas paredes da minha memória. Quando nos encontrarmos pessoalmente, devolverei todo esse meu sentimento em forma de abraço.