O regresso de Júlia Mann a Paraty, de Teolinda Gersão
Confesso que nunca tinha tido contato com a literatura da lusófona Teolinda Gersão - uma das principais vozes contemporânea de seu país. Para ser mais preciso, nunca tinha imaginado em ler um de seus escritos. Quando a Editora Oficina Raquel anunciou que publicaria essa obra, o título logo me despertou grande atenção, isso pelo fato de Júlia Mann, personagem que está no título, ser a mãe do excelente escritor alemão Thomas Mann.
Como diz aqui pelo Nordeste do Brasil, eu "fui com muita sede ao pote", e a água que tinha nesse recepiente serviu demais para matar a sede que eu estava para ler esse livro. Gersão escreveu, sem dúvidas, uma das grandes obras lançadas no Brasil no ano de 2021. O livro é dividido em três partes, e é somente na terceira que ficamos sabendo um pouco sobre a infância, adolescência e vida adulta de Júlia, mãe do Mann. Nas duas primeiras partes, dois grandes escritores são resgatados: Thomas Mann e Freud.
Na parte um, Freud está refletindo e escrevendo, em 1938, sobre/para Thomas Mann, em um momento conturbado que atrevessava todo o continente europeu com a ascensão do nazismo. Freud mergulha numa análise profunda sobre a mente de Mann, tentando decifrar detalhes da vida do autor através das obras que ele escreveu, tentando entender como ele impunha em seus textos, momentos, personagens e os traços da própria vida, repleta de conflitos familiares, sociais e internos.
Na segunda parte, Thomas Mann está pensando sobre Freud, oito anos antes, em 1930, à medida que vai revelando detalhes de sua vida e o quão é complicado viver num meio social em que tem que lidar com todos os seus problemas, como a homossexualidade, por exemplo. Além disso, ele destaca suas posições políticas, filosóficas, familiares e intelectuais diante dos acontecimentos da época. Essas duas partes são bastante reflexivas, visto que somos levados à uma análise sobre o duplo de ambos os personagens – para mim, um dos pontos altos do livro.
Já na terceira parte, Teolinda Gersão resgata a infância, adolescência e a vida adulta de Júlia, desde quando morou em Paraty, até sua ida à Alemanha, lugar onde se sente deslocada no espaço, sempre rememorando como doloroso é viver e conviver com um povo tão diferente, trazendo à tona discussões sobre memória e pertencimento.
As três novelas se interligam de forma magnífica, e as teias entrelaçadas se transformam em uma rede de emaranhados lógicos. A maneira como a escritora estrutura a obra - composta das três novelas - é para poucos, com essa capacidade de viajar entre épocas distintas mas sem perder as conexões e lógicas existentes.
____________________________
Dicas de Links: Site da autora / Entrevista de Teolinda Gersão à TV Senado / Loja virtual da Oficina Raquel, editora que publicou a obra no Brasil
____________________________
Sobre a autora: Teolinda Gersão nasceu em Coimbra, estudou Germanística, Romanística e Anglística nas Universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim, foi Leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim. Além da permanência de três anos na Alemanha, viveu dois anos em São Paulo, Brasil. Está traduzida em 20 países. Quatro dos seus livros foram adaptados ao teatro e encenados em Portugal, Alemanha e Romênia. Uma das maiores vozes da literatura lusófona, publicou pela Oficina Raquel o romance A cidade de Ulisses e a antologia de contos Alice e outras mulheres. (A descrição da autora foi retirada do site da Editora Oficina Raquel)