Dandara e a falange feminina de Palmares
Mulheres guerreiras em Dandara e a falange feminina de Palmares
Romance narra a luta de uma líder quilombola à frente de um grupo de guerrilheiras
No dia Internacional da Mulher em 2022, me propus a resenhar um livro temático para esta data, e foi uma de minhas últimas leituras no mês de fevereiro. Dandara e a falange feminina de Palmares foi um dos últimos lançamentos da editora Nemo em 2021 (dezembro) e veio em tempo para ser lido e apresentado ao público neste primeiro trimestre de 2022.
O romance do autor Leonardo Chalub, vencedor do prêmio Jabuti em 2020, com o livro Palmares de Zumbi na categoria Literatura Infanto Juvenil, traz a história de uma mulher negra que luta para ser reconhecida como líder guerreira em defesa de sua comunidade, mas para isso recebe uma importante missão.
Chalub inicia o livro com uma dedicatória especial às mulheres, “Dedico este livro a todas as mulheres que, em um mundo tão machista, precisam se transformar em verdadeiras guerreiras para sobreviver.” Neste sentido, a narrativa já direciona o leitor para a história representativa de uma luta feminista.
Brasil colônia, século XVII, período em que Dandara é desafiada pelo rei Ganga Zumba, tio de Zumbi de Palmares, a recuperar a coroa e o cetro do Rei do Congo, pai da princesa Aqualtune (mãe de Zumba). Para cumprir essa importante missão, Dandara enfrenta muitos perigos, um oceano, lutas e verdadeiras guerras em terras estrangeiras.
A guerreira precisou travar uma disputa que lhe desse o direito de liderar e treinar um grupo de mulheres guerreiras do quilombo, que contou com ajuda de ensinamentos de duas mulheres indígenas que conheceram na floresta. Para alcançar o objetivo de trazer para o Rei Zumba o que lhe foi pedido, Dandara embarca numa perigosa aventura da qual passará por muitas intempéries.
Uma das mais longas jornadas da guerreira vai ser em terras estrangeiras, em Luanda, na companhia de um casal que serão seus aliados nas batalhas. Ao longo de sua viagem até Luanda, Dandara ouvia muitas histórias sobre a terra africana, a selva que é bem diferente do Brasil, a qual ela estava acostumada a lutar. Mesmo conhecendo de antemão essas histórias, e sem saber ao certo se era verdade ou lenda, Dandara estava confiante no porvir. Porém, não contava com situações fora de seu controle, o que a fez conhecer quem são seus verdadeiros(as) aliados(as) e identificar seus inimigos lusitanos.
Há muito não lia uma história com cenas de embates de uma guerra, e liderada por uma mulher, o que me fez pensar comparativamente, por várias vezes, na figura representativa de uma guerreira super-heroína do universo das histórias em quadrinhos. A mulher maravilha já ganhou adaptações para romances, animes e até cinema, em que o ambiente criado por George Perez, tornou a Mulher Maravilha e a ilha de guerreiras das amazonas de Themyscira, um ícone reconhecido da representatividade feminina. Em Dandara não é diferente, mas bem contextualizada com um momento histórico do Brasil colonizado pelos portugueses, além da representatividade feminina aliada à figura de uma mulher em um período patriarcal e predominantemente machista, Dandara significa uma junção de elementos de luta que vão ao encontro com a atual realidade, a discriminação, feminícídio, subjugação, exploração, segregacionismo racial, dentre várias questões sociais e culturais que tornam a narrativa historicamente importante.
As ilustrações de Luis Matuto são xilogravuras que dão uma dinâmica visual à narrativa, desenhos marcantes com características que lembram muito a arte africana das máscaras, das esculturas em madeira, os traços representam muito bem a ambiência em que encontra a personagem, os valores étnicos, morais e culturais de uma ancestralidade voltada para os aborígenes, dos costumes das tribos isoladas tanto africanas quanto as brasileiras.
São 13 capítulos que compõem as 192 páginas da obra, que narra 6 anos de luta até a ascensão e reconhecimento da falange feminina de guerreiras pretas em 1676.
Na minha adolescência eu tive a honra e a felicidade de ser aluna e conviver com o artista português Acácio Videira (in memorian) que foi meu professor e mentor artístico que me passou por meio da antiga tradição oral os conhecimentos sobre seus mais de 30 anos vividos em tribos africanas em Angola, conheci todo seu acervo iconográfico e de imagens como máscaras, pinturas, esculturas e arte em marfim além das lendas e histórias culturas da África quando trabalhou como fotógrafo e museólogo, conflitos intertribais e sua breve passagem pela 2ª guerra mundial. Motivo este que lhe fez vir definitivo para o Brasil.
Assim como as memórias de meu mestre Acácio das quais ainda tenho vivas em minha mente, em Dandara temos esse registro fabuloso que nos chega por meio de Leonardo Chalub e Luis Matuto. Esses registros demarcam a importância de cada vez mais a necessidade de apresentar as lutas de um grupo étnico, de comunidades quilombolas, de refugiados, de mulheres negras e crianças contrabandeadas, temas que não se encerram em uma determinada época, mas precisam serem constantemente colocados em pauta e relembrados para que não morra a história de luta de um povo, de pessoas, de seres humanos.