Janeiro, de Sara Gallardo
Confesso que, antes de ser publicada pela Editora Moinhos, não sabia praticamente nada da escritora argentina Sara Gallardo, a não ser sobre o livro "Eisejuaz", publicado no Brasil pela Editora Relicário. E a julgar pela recém-publicada obra Janeiro, pela Editora Moinhos, o Eisejuaz deve ser tão bom quanto.
Publicado em 1958, Janeiro é uma obra que marca. É incrível como essa obra ficou apagada por tanto tempo antes de chegar ao público brasileiro. Sara Gallardo trata de assuntos que sempre foram urgentes, com destaque para a temática sobre o estupro e como fica a posição social da vítima depois do acontecimento.
Nefer é uma adolescente - mais ou menos de 16 anos - que vive em uma zona rural dos pampas ao norte da Argentina. Sua família trabalha para donos de grandes propriedades de terras, da qual retira dela o sustento de todos. Entre cuidar dos animais, ordenhar as vacas, cuidar dos afazeres domésticos e das atividades dos patrões, a vida de Nefer, que aparentemente era tranquila se transforma em um inferno particular quando ela é estuprada por Negro, um homem mais velho que também vive na comunidade.
Depois que se torna vítima dessa atrocidade, Nefer - que ama Negro - internaliza toda a preocupação, angústia e medo em como todos irão receber a notícia de que ela, tão nova, está grávida; e isso a martiriza por dentro quando ela imagina em como será o seu futuro dentro da comunidade – é incrível como esse tipo de crime coloque sempre a vítima em situação tão delicada.
Existem duas coisas que marcam no romance: a manutenção de uma sociedade conservadora e da religiosidade praticada por alguns. É notório como esses dois aspectos mexem com os pensamentos de Nefer e a fazem sofrer dia após dia enquanto os sintomas começam a aparecer, tornando um desafio guardar o segredo diante de todos. Uma das cenas mais marcantes, por exemplo, é o dia em que todos vão à igreja, no qual Nefer começa a imaginar como irá se confessar ao Padre local e ao mesmo tempo em como existe possibilidade do assunto se espalhar caso o padre conte a alguma pessoa. Ao mesmo tempo, o ocorrido chegando à boca da sociedade, seria como uma espécie de vergonha para ela, a tornando, então, uma vergonha para a família.
A parte final do livro é chocante, e mostra como esses tipos de episódios eram tratados e reforça a tradição que existia e ainda existe, infelizmente, em muitas culturas espalhadas pelo mundo.
Sara Gallardo, sem dúvidas, escreveu um dos maiores curtos romances de sua época; confirmando o fato de que não é preciso tanto para escrever sobre temas tão pertinentes. Ao mesmo tempo, essa obra abre tamanha curiosidade para outras que ela escreveu. Recomendo a todos, sim, como uma porta de entrada para a literatura da argentina.
DICA: Resenha feita pelo Yuri, do canal Livrada!; e a resenha da Bárbara, do canal B de Bárbarie, ambas nos seus respectivos canais na plataforma do youtube.