3 de janeiro de 2022

Adeus, Pituba

O avião decolou na hora prevista. Levo comigo uma mala, um livro para a viagem e a saudade que já não cabe no peito. Pela pequena janela, vejo a cidade ficando para trás, diminuta. E enquanto o avião vai subindo e acertando seu curso, as lembranças dos meus oito anos vividos aqui vão se ajustando em mim.

Acima das esparsas nuvens, procuro o meu bairro. Imagino meu prédio e a minha rua; ambos agora classificados como antigos. Meu antigo prédio. Minha antiga rua. E numa fração de segundos me vejo caminhando pelo meu antigo bairro. Passeios até os cafés que costumava frequentar, a antiga academia, as padarias e até mesmo o trajeto para os supermercados. Distâncias conhecidas, tão comuns, tão rotineiras, que eu não imaginava que hoje, nesse momento, me seriam tão caras.

Da janela do meu quarto eu podia ver o pátio da locadora de veículos que ficava atrás do meu prédio. Havia três coqueiros, que nos últimos dias balançavam suavemente para mim como se estivessem acenando um doce adeus. Ao lado tinha o estacionamento da boate que, por tantas noites, me fez companhia com um tum tum tum ritmado e onde motoqueiros de diversos tipos de serviços de delivery se reuniam. Via também as farmácias, com suas vitrines multicoloridas, que disputavam a atenção dos transeuntes e parte da avenida que eu cruzava sempre que saia de casa. 

Mais à frente tinha o mar com suas águas, às vezes tão calmas, num tom verde azulado, que mais parecia uma imensa lagoa. Noutras vezes, revolto e cinza, como se reivindicasse seu lugar onde hoje passam ruas e avenidas. Porém, certas noites, quando a lua aparecia no horizonte, laranja e cheia, iluminando aquelas águas escuras, era uma verdadeira pintura. Pura poesia. 

Enquanto o avião ganha altitude, pesa em mim saber que não mais passarei por estas ruas. Não mais terei as caminhadas vespertinas pelo calçadão até a Vila Jardim dos Namorados. Nem o restaurante japonês, a banca de revistas, a Casa de Noca, o bar do D’Jalma e o restaurante italiano. Saber que não mais comprarei ou olharei as prateleiras da adega da Perini faz o coração dá um sobressalto e um nó aperta minha garganta. Não é só o bairro, mas também é o meu cotidiano que está ficando para trás. Pois de agora em diante só existe o desconhecido, o inexplorado, o recomeçar.

Me vejo nos fins de semana, após um vagaroso café da manhã, andando pela areia da praia na hora da maré baixa. O momento em que a água friinha do mar batia nos tornozelos e depois ficava gostosa. O vai e vem das ondas, o senhorzinho do queijo coalho, o farfalhar das folhas dos coqueiros e tantos rostos de estranhos conhecidos que não mais verei. 

Ao voltar, seguir pela rua Paraíba, passar pelo açougue até a Praça Brasil. E ao me aproximar da praça, sentir o cheiro do camarão e do dendê na feitura do acarajé. Um dos melhores cheiros do mundo! As amendoeiras oferecendo suas frondosas sombras. A fila da barraca da Xica fazendo a curva no quarteirão. Carros e pessoas se alinhando para comprar o melhor acarajé de Salvador.

Me vi, como em tantas vezes, sentar embaixo das amendoeiras e comer o churrasquinho na barraca da Soraia. Entre uma cerveja e outra, entre um espetinho e outro, a vida parecia passar, maravilhosamente, devagar. Depois era só seguir um quarteirão até chegar em casa para um banho gelado e um abraço do sofá.

Agora ficam para trás familiares e amigos. Uma vida. O avião vai se distanciando e eu vou com ele. Vou com a cabeça nas nuvens, o choro contido na garganta e a Pituba no coração.

 

por Alberto Lacerda 

Alberto Lacerda nasceu em Nanuque, Minas Gerais, em 1978. É poeta, cronista e contista. Possui diversas publicações em antologias e revistas literárias. Seu primeiro livro, Crônicas do Cotidiano, foi vencedor como melhor livro de 2020, na categoria crônica, na 2ª edição do Prêmio Book Brasil e na 5ª edição do Prêmio Brasil Entre Palavras. Em 2020 teve uma de suas poesias selecionada para compor a Antologia Poética Sarau Brasil, pela Editora Vivara. Participou da Antologia de Poesia Brasileira Contemporânea Além da Terra Além do Céu - volume V pela Editora Chiado Books (2021). Em setembro de 2021 lançou seu segundo livro de crônicas – Parte de Mim.