4 de novembro de 2021

A realidade da vida cor de rosa, em Meio estreito

Quando se trata de uma escrita feita por Roberto Menezes, não podemos esperar algo previsível ou desconectado da pura realidade. Seus livros são cheios de vidas que fazem seus próprios percursos, que correm sem medo do fluxo da vida. Em “meio estreito”, isso não é diferente, os 10 contos inseridos nessa coletânea carregam de maneira muito individual o seu modo de existir. No entanto, percebi que nesse livro algo de novo acontece na escrita do autor, e quando digo algo de novo, não se trata de ser melhor ou pior que os outros livros que já li dele. O novo a que me refiro, é no toque estilístico da escrita, sem deixar que sua originalidade de paraibano que nasceu em Tibiri se desfaça.

O livro que foi publicado pela editora Caos e letras, no mês passado pelo projeto Catarse, possui uma ficção que não deixa o imagético do leitor a desejar, e para mim, enquanto leitora, é isso que faz a diferença na leitura de uma obra, é esse toque que faz de um livro inesquecível, porque é na boa ficção que fisgamos a atenção do leitor, que não deixamos ele ir embora, e é na sensação de não querer ir, que se guarda quase nitidamente tudo o que foi lido.

E não pense você, que essa leitura começa quando você abre a primeira página do primeiro capítulo, esse é aquele tipo de livro que o título se liga ao designer da capa, que conversa com as ilustrações que apresentam cada capítulo, para só depois te contar sobre a história que se esconde no enredo. E mesmo que você decida começar direto na leitura do capítulo, só pelo hábito de não se atentar aos detalhes que citei, ainda assim, no final da leitura, você vai se atentar aos detalhes, porque como eu disse, um convida o outro, não há escapatória.

A sequência dos contos me pareceu como degraus, tanto porque o número de páginas vai aumentando de uma história para outra, como também porque vai aumentando a complexidade das situações que vão acontecendo na vida desses personagens, que nem sempre possuem um nome, às vezes, é a sua história que diz de sua identidade. O que todas elas têm em comum é o fato de retratarem as misérias e as falências humanas, que como bem sabemos, muitas vezes se constroem de fora para dentro, mas em outras, de dentro para fora. As dores escolhidas para esse livro, passaram pela peneira da desgraça, não têm afago ou arrodeio, ela é em essência, sem processamento industrial nenhum. Aqui a dose não tem fermento, mas também não restringe leitores. Para essa leitura, eu só diria uma coisa: mergulhe de mente aberta, e deixe fluir o que a ficção lhe propõe.

Um dos contos que mais me tocaram, foi o conto intitulado “número 2”, que nos apresenta um dia de domingo de um pai de família que sai com seu filho pequeno para vender dindin e salgados na praia de Cabo Branco. Eles saem de casa, enfrentam um ônibus lotado, chegam a praia, encaram -cada um ao seu modo- o sol estridente de João Pessoa, conseguem grana para salsicha e iorgut, retornam com esperança, pegam um ônibus, perdem -para outros seres tão desgraçados quanto- o dinheiro que ganhou, choram cada um do seu jeito, são ajudados para poder chegar em casa, e quando chegam, seguem a vida, porque não há para qualquer ser vivo outra opção.

O fluxo de situações e de consciência transforma não só esse, como os outros contos, em um escancaramento que grita contra a falsidade dos que dizem ou vivem uma vida cor de rosa. A vida cor de rosa aqui, não é a dos poucos, mas sim, a da maioria dos que vivem a realidade de um país como o nosso, de uma região como a nossa, e de um estado como o nosso. A realidade é muito mais composta por meios, do que por chegadas e inícios, e o meio que é revelado em cada canto dessas narrativas, é um meio estreito.

Uma das coisas que mais gosto nos livros de Beto são duas: a primeira, porque ele sempre circunda as regiões de João Pessoa/Santa Rita/Tibiri, e isso me causa uma identificação tremenda, porque, sou natural da capital da Paraíba, e porque sinto um orgulho desgramado de ser pessoense. Segundo, porque ele sempre dá um jeitinho de encaixar músicas em suas narrativas. Entretanto, nesse livro não houve este último, e foi aí que eu vi mais uma vez como a leitura tem um poder ampliador e transformador, como não só guardam como catam como um ímã as nossas outras leituras, porque quando acabei de ler me vi cantando “admirável gado novo”, de Zé Ramalho.

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Ana Magally é Paraibana e estuda letras português na Universidade Federal da Paraíba. É pesquisadora em literatura e atualmente produz resenhas e conteúdos literários no Instagram @caminhosliterarioss. Além dessa rede, possui um clube de leitura online, no qual reúne há quase 1 ano, pessoas de todos os lugares do país para conversar e compartilhar impressões sobre leituras.