21 de outubro de 2021

Alcazar: uma construção cheia de histórias

Graphic novel publicada pela Nemo em setembro de 2021 apresenta uma narrativa
no contexto indiano com histórias que se desenvolvem à medida que um prédio é construído

 

Um canteiro de obras reúne diferentes personagens que trabalham na construção de um edifício residencial. A Índia é um dos países asiáticos mais populosos, a sua diversidade étnica e religiosa também fazem parte da formação social do país.

Conhecemos o aspecto cultural e religioso da Índia pelas telenovelas brasileiras, a HQ faz um recorte de uma geração contemporânea em que se percebem a presença da diversidade por meio das misturas entre povos e classes.

A construção de um edifício recruta profissionais diversos, e é neste cenário que se desenrola a HQ. As relações são pautadas por tratados verbais, a informalidade é algo comum e rotineiro desde o mais simples empreiteiro até o engenheiro da obra.

Ao longo da história percebemos a precariedade em que vivem os trabalhadores braçais. Recebem pouco, possuem dívidas vultuosas e ainda são vítimas de golpe dos patrões. Mehboob e o cunhado Rafik Bhai vão trabalhar sob a supervisão do mestre de obras Trinna.

Salma, esposa de Mehboob e irmã de Rafik integra o grupo como ajudante na manutenção das tarefas domésticas uma vez que eles vão morar juntos num casebre improvisado na obra. Ela também auxilia-os na obra até descobrir a sua gravidez. A gravidez é um interessante marco da passagem de tempo do quadrinho para compreendermos quanto tempo o prédio levou para ser construído. Outro personagem presente é o inexperiente engenheiro que abandona a obra para seguir nos estudos num embate com o construtor que considera que estudos não darão a ele riqueza e tenta convencer o jovem a seguir seu conselho. A presença de outros personagens na construção revela outras etnias dos protagonistas, nas diferenças e crenças locais.

A trama é carregada de intrigas, diferenças e expectativas, embora não seja tão densa ela proporciona uma leitura leve. A perspectiva dos desenhos das páginas duplas conduzem o olhar do leitor de forma panóptica. No momento em que a construção começa a ser erguida, o olhar a partir de cima dá ao leitor uma visão panorâmica e a sensação de estar crescendo junto, perceber que a construção ganha altura, imponência sobre o espaço vazio que ali existia. Os movimentos em torno também dão vida e dinâmica ao quadrinho.

Uma coisa interessante na HQ é a evolução da obra, começa com o terreno baldio cheio de lixo e à medida que vai subindo os tijolos a narrativa também cresce junto com a edificação. Os acontecimentos em torno da construção vão dando vida à história e novos personagens aparecem. Assim como toda empreitada tem um final, a construção é inaugurada e mais uma vez a discrepância social é exposta. A vida de quem deu sangue e suor para erguer aquelas paredes muda pouco, mas são transformadas pelo mesmo sonho e desejo em que iniciaram a construção.

A HQ foi publicada em capa brochura, com orelhas e miolo colorido. Alcazar é resultante da coleta de relatos das histórias de pessoas que fizeram parte da construção do edifício e se tornaram os personagens da narrativa, o autor teve apoio e financiamento para o projeto de publicação e pesquisa. A narrativa é baseada em fatos reais e o edifício de fato foi construído como relatado, o que torna curioso a forma como a abordagem de um acontecimento tão ordinário se tornar uma premissa para uma HQ.

As páginas duplas são como se fossem capítulos de abertura a cada etapa nova da construção. Ganham vida quando vê o prédio crescendo ao longo da graphic. Se separarmos as páginas duplas do restante daria com certeza uma segunda HQ, uma HQ muda.

Segundo trabalho de Simon Lamouret, um francês que transmitiu nessa HQ a sua breve experiência ao morar por cinco anos na Índia onde ensinava desenho. Vale salientar que a história possui uma perspectiva a partir do ponto de vista de um observador ocidental, então temos que ter esse cuidado ao avaliar a obra, pois poderíamos considerar ou até mesmo julgar equivocadamente o pensamento e as atitudes dos personagens. Uma leitura que deve ser feita com certa cautela e compreensão.