Astrologia útil
Costumavam rir de mim, os adultos, cheios de dentes, quando eu demonstrava algum interesse pelos signos do zodíaco. Da minha parte, era mais curiosidade que interesse: era adolescência, época em que caem os dentes de leite da pureza e nascem os afiados e perenes dentes do pudor. Por isso e por muito mais, esses risos me enchiam de vergonha e dúvida.
Intrigava-me o fato de eu ser escorpiano, filho de um signo misterioso, profundo e enérgico, erótico e rancoroso, amigável e intenso, vingativo. Que a minha mãe não se ofenda com essa segunda filiação, mas não nego que tenho traços mais escorpianos que maternos – até porque a minha mãe é de câncer, vejam bem! Desde que me entendo por gente, algumas teorias psicoastrológicas se me foram acumulando pelos caminhos da amizade e da leitura. E um catolicismo castrador me proibiu de pensar em tudo isso. Naquela época, eu sentia que o pecado era a minha pele interior, uma instituição em minha atividade mental – e não fora dela, como vim a descobrir tempos depois.
Se esse escorpião de fato habitava em mim ou se era eu a construir uma identidade frente à minha adolescência frustrada, não importa. O que importa é que hoje vejo essa explosão de vozes sobre os signos do zodíaco, essa quantidade espantosa de memes, canais do Youtube e páginas de redes sociais sobre astrologia, seja pelo viés espiritual, seja por uma vertente humorística; vejo uma profusão de tratamentos holísticos, alguns muitos sérios e outros, nem tanto. E tenho muitos amigos e amigas, de diversos níveis culturais e intelectuais, que pautam as próprias decisões no horóscopo do dia ou no perfil do signo solar, do lunar e por aí vai. Tenho conhecidos e conhecidas que só aceitam namorar com pessoas de peixes, sagitário ou libras. Áries, nunca. Nunca? Pobres arianos e arianas, lamento dizer que vocês estão fadados à solidão. Ou, o que é pior, vocês podem manter relações afetivas e sexuais entre si, de modo que o mundo ariano seja uma grande bolha ariana, cheia de fogo, sorriso e ímpeto homicida. E os taurinos e taurinas? A narrativa astrológica afirma que são pessoas alegres e enfáticas, mas comem com a mesma alegria e ênfase, o que dificulta um pouco mais a relação com esses seres marcados pelas estrelas da determinação e da teimosia.
Tudo isso me parece bem, na verdade. Reconheço que em mim há um espaço cansado das certezas, das verdades absolutas, do indiscutível. Todo esse meu percurso científico fez com que a verdade se tornasse um exercício custoso e impossível. Não suporto esse abismo. De dois anos pra cá venho me abrindo a outras possibilidades de conhecimento, a outras epistemologias e formas de narrar o Eu. Prefiro estar aberto às verdades relativas, não absolutas e que, não sendo absolutas, fazem de mim um homem mais humano, mais propenso a repensar o que até então era certo e determinado (mas nunca determinante).
A verdade é que este escorpiano anda muito afeto às verdades parciais. É na parcialidade que, sem culpa, construo as mudanças de rota e de expectativas. Gosto da astrologia por não precisar da sua verdade, por prescindir dela como certeza, por tê-la apenas como bengala, uma conveniência. E quem não tem uma bengala nesta vida que a cada dia nos quebra uma perna?
Hoje, quando falo sobre signos e astrologia, não riem de mim. Será por ser eu um adulto e a matéria da astrologia já não sair da boca de um adolescente sem personalidade? Há no senso comum algum tipo de revolução experiencial que autoriza o discurso pseudocientífico (sem sentido pejorativo) e isso me deixa mais tranquilo, pois sei que as verdades já não são muros, mas sim espaços de parcialidade, muretas propensas ao salto e à transgressão. Isso é bom de ver e sentir.
Entretanto, sob o mesmo mistério da água que se transformou em vinho, a minha tranquilidade vira ódio e preguiça (duas substâncias etílicas perigosas) quando vejo pessoas que transferem para alguma condição astrológica a violência, a ignorância, a intransigência, o desamor e a falta de respeito. A estes e estas, recordo que existem entre nós suficientes informações e meios para assumirmos a responsabilidade do que somos ou deveríamos ser. Não há astrologia que cubra a falta de caráter ou de sensatez, o egoísmo e a cegueira. Não faz sentido ver no signo a pré-determinação da loucura – isso, sim, é risível.
Paulo Geovane e Silva nasceu em 1985, na cidade de Manhuaçu (Minas Gerais). É escritor, editor, crítico literário e professor. Licenciou-se em Letras pela PUC Minas (2010), onde também lecionou. É mestre (2012) e doutorando em literaturas africanas de língua portuguesa pela Universidade de Coimbra. Em 2018 estreou na poesia com caída (2018, Editora Letramento) e escreve esporadicamente para o Le Monde Diplomatique Brasil. Radicou-se em Madrid e, atualmente, edita a Revista Ponte.