O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe
Valter Hugo Mãe, além de autor, é editor, artista plástico, apresentador em um canal de televisão e cantor. Sua obra abrange vários gêneros literários; passeando entre poesia, romances,contos e livros infantis. O autor foi laureado com o prêmio Oceanos em 2012 e teve suas obras reconhecidas pelo próprio Saramago.
A história do livro “O Filho de Mil Homens” é ambientada em uma pequena vila do interior de Portugal. Acompanhamos as venturas e desventuras de alguns personagens que, a princípio, não tem muita relação entre si. Contudo, à medida que a história progride, conseguimos enxergar um fio que liga todos eles — além do óbvio fio produzido pela própria narrativa —, o da solidão, do sofrimento frente a uma sociedade ou família que os rejeitou, baseados muitas vezes no preconceito e na suposta “preservação das tradições”.
A esses personagens é negado serem aquilo que realmente são ou terem algo de que todo humano precisa: amor e família. Por serem diferentes, não sentem como se realmente fizessem parte dos “cidadãos comuns”, veem-se completamente deslocados, não pertencentes a esse ambiente.
Por serem obrigados a seguir a normatividade tradicional da vila, acabam deturpando conceitos como felicidade e amor para melhor se adequarem à sua realidade, a fim de resistir a ela, como se não fosse o local propício para concretizar seu verdadeiro significado.
Toda essa pressão causa neles a sensação de serem metade, como se carecessem de algo ou alguém para se tornarem inteiros.
É com uma prosa inerentemente poética que o autor vai discorrer e desenvolver temas complicados como felicidade; solidão; homossexualidade em um contexto tradicionalista e preconceituso; amor — questionando-nos sobre o porquê de colocarmos entraves e limitadores nele — e, principalmente, sobre família.
A resolução final do livro poderia por muitos ser considerada utópica, principalmente pela dificuldade de se enxergar materialmente essas relações de amizade e amor, de pertencimento e preenchimento.
Em um mundo cada vez mais individualizado, em que o indivíduo é considerado o único responsável por sua culpa, devendo buscar sozinho a resolução dos seus problemas, é estranho que essa solução venha do outro, no qual é possível encontrar a ternura e a empatia suficientes para se entender e aceitar quem é, podendo assim finalmente ser inteiro. Talvez devamos aprender com os personagens de Mãe.
O livro é de uma sensibilidade que nunca tinha visto antes em outra obra. Com um final belíssimo. Uma boa indicação de um livro otimista.
Se vocês tiverem a oportunidade de ler o primeiro capítulo deste livro, leiam, é um show à parte, um dos melhores e mais impactantes primeiros capítulos que já li.
por Rickson Ramos