Na dança da vida, o balé de Polina
Pela primeira vez vou fazer uma resenha com um olhar muito pessoal sobre a leitura que fiz da HQ Polina, que recebi da editora Nemo. Polina além de me proporcionar uma viagem por países também me fez viajar pelo tempo, resgatar da memória pessoas que conheci ao longo da minha vida e são todas elas bailarinas!
São tantas as referências que essa graphic novel me trouxe, uma verdadeira experiência de leitura que pode proporcionar a muitos leitores e leitoras. Polina além de ser uma história inspiradora para crianças e jovens que buscam o seu caminho nas artes, na dança ou numa carreira incerta, ela encanta pela forma reflexiva de encarar os desafios. Algumas cenas dos desenhos nos enquadramentos como a que ela cuida dos machucados e enrola faixa, esparadrapo nos dedos dos pés para calçar as sapatilhas, não deixam passar despercebidos detalhes dessas feridas que fazem parte da narrativa ao representarem o esforço físico exigido das meninas ainda muito jovens.
A primeira referência que Polina me trouxe, foi das aulas de história da arte que tive ainda no colegial, sobre o Impressionismo, em que estudei as mais famosas pinturas de Edgar Degas, “as Bailarinas”, “a aula de dança” etc, são diversas pinturas dele que retratam a dança clássica do balé. O olhar do pintor sobre a dança, as jovens bailarinas, o movimento, as cores, remete ao que a capa da HQ transmite, a disciplina do corpo, o olhar e a emoção que a dança deve passar ao espectador que assiste uma peça de balé. A capa do livro faz a mesma provocação, despertar no leitor essa emoção.
Por séculos o balé era a porta de entrada para o universo da dança, foi também uma das representações mais assistidas na antiguidade por reis e rainhas. O balé sempre esteve em parceria com a música clássica, orquestras e com o repertório dramático como o Cisne Negro. Em Polina, a protagonista rompe com esse paradigma de se submeter ao tradicionalíssimo do balé clássico, mostra que a dança não é só disciplina, é preciso talento.
Polina é uma criança que entra para a escola de balé aos 6 anos e passa pelas grandes escolas da dança clássica, mas é duramente criticada por sua flexibilidade corporal limita, um dos requisitos primordiais para quem quer se inserir no balé clássico. Quando cresce, Polina toma uma decisão de não mais seguir o método do balé clássico e se aventura na dança contemporânea. E os resultados de seu talento se mostram maiores que ela esperava.
A personagem vai para Berlim, sozinha, ela conhece um grupo de atores de teatro que juntos criam peças autorais contemporâneas que se torna um grande sucesso. Depois de chegar onde ela quis com a sua dança, Polina retorna à escola onde tudo começou na sua vida. Reencontra Bojinski, o temido e exigente professor de balé que viu nela um futuro promissor e foi sua escolhida para interpretar a coreografia que havia criado. Polina descobre que o projeto dele ficou abandonado após sua mudança para Berlim ao largar tudo que havia aprendido com ele. Será que Polina vai retomar aquele balé de onde ela parou?
A narrativa é fluida e graciosa, com a mesma beleza das pinturas de Degas. Bastien Vivés consegue dar movimentos que respeitam a disciplina que um balé exige e mostra a evolução da personagem tanto física quanto emocional e afetiva com uma maturidade digna de quem aprende com os desafios os caminhos escolhidos. A narrativa evolui e a passagem do tempo é percebida conforme a jovem bailarina cresce, acompanhamos a transformação do seu corpo e da sua dança. O final da narrativa fica em aberto deixando um leque de possibilidades para a imaginação do leitor. O traço de Bastien Vivés é semelhante ao de “Uma irmã”, outra graphic do autor publicada pela editora Nemo. Neste segundo trabalho do autor, os balonamentos e os traços são mais definidos que a HQ anterior, um aspecto bastante positivo dessa publicação. Há um salto cronológico da vida da personagem muito grande após as duas primeiras páginas, o que dá a impressão que pulamos várias páginas da história, mas na verdade, a passagem de tempo pode ser percebida quando a personagem se mostra mais alta que na página anterior.
A jovem bailarina me fez pensar nos caminhos e desafios de quatro bailarinas que conheci, a primeira foi minha professora de dança de salão, nas suas aulas de dança percebia a importância da disciplina e dos passos básicos, me tornei sua ajudante enquanto cursei as aulas e foi nesse lugar da dança que conheci o meu atual esposo. A dança foi um grande encontro na minha vida pessoal, onde sai da depressão e construí uma vida nova. Depois, no mestrado em Estudos de Linguagens no CEFET-MG, uma das grandes amigas que a vida me presenteou era uma bailarina, Caroline Konzen Castro, que fez sua pesquisa sobre o método do balé clássico que tive a honra de ler o livro publicado resultante da sua dissertação, hoje, ela faz doutorado em balé na Alemanha. A outra dona das sapatilhas de laço que tive a grata alegria de conhecer durante meu doutorado foi Nora Vaz de Mello, também bailarina e professora de Balé, fundadora do Ballet Movimento, de Belo Horizonte. E por último, não podia deixar de mencionar com carinho minha orientadora do doutorado em Estudos de Linguagens, a bailarina, professora e doutora Olga Valeska Soares, quem sempre tive apreço e admiração, uma grande pesquisadora da semiótica, da dança e uma exímia dançarina que me acolheu nesse desafio dos estudos da edição em Histórias em Quadrinhos. Olga é de uma versatilidade não só na dança, também na poesia e na pesquisa científica, uma inspiração para seus orientandos, esteve na minha banca de defesa de mestrado, aplaudo de pé com muito orgulho por ter sua presença na minha história.
Polina foi uma leitura em que encontrei personagens reais da minha vida, mas a protagonista revela que cada ferida nos pés, mostram os passos da caminhada em busca do sonho, assim já dizia o poeta Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não for pequena”.