Adeus Pirandello, de Marcho Luchesi
Rio de Janeiro dos anos 1930 é tema de novo livro de Marco Lucchesi
Com o lançamento de “Adeus, Pirandello”, escrito durante a pandemia, o presidente da ABL completa trilogia ambientada no Rio de Janeiro
Abaixo, um trecho do livro:
Prelúdio
Uma dedicatória. Por que afinal oferecê-la sem nome e destino? Pura estratégia narrativa, entre clássico e popular? Não imagino o que pode haver em comum entre a banda espanhola e o concerto de Ludwig van Beethoven. Tirando-se o van, fica a orelha: aquela cortada por Van Gogh e a outra, de Beethoven, perdendo vigor. Talvez a insinuação de uma orelha para a história que virá. Um poeta falou da educação dos sentidos. Proponho uma defesa da audição. Hoje, porém, um romance dispensa prefácio e dedicatória. Não passam de ruídos que desaceleram. Tiram a nitidez que fere parte do real. Se houver chance de atingirmos uma fatia do que chamamos pretensamente de real. Prefiro o lugar das erratas: novos ângulos, cruzamentos. Errata: enquanto mea culpa, confissão e desejo de não pecar. Mas também a errata perdeu o norte. O texto renasce, mais límpido, em segunda vida ou nova edição. Nenhum apoio externo poderá salvar o livro de suas falhas. Mas, por que perder-me com essa espécie em extinção? Justamente porque não funciona. Gosto do inútil, aprecio quando não tem valor. Afinal de contas, algo sem sentido obriga a emprestar-lhe um. Mordo sem apetite as nuvens peregrinas, agora, quando escrevo no jardim à beira-mar. Essa moldura me abduz para o futuro do pretérito. Sem chave ou previsão. Divago. Apátrida. Viajante imóvel. Procuro mitigar a solidão que me atribula, num cenário líquido e incerto. As personagens da história vivem sob a lógica do adeus e colecionam perdas. Passam do estado sólido ao gasoso e não alcançam o que esperam. Sem orelhas. Sem erratas. História interrompida: ovo de ornitorrinco, inadequado entre as partes. Fosse um ovo cósmico, de páginas híbridas, na frágil harmonia entre os
mortais.