A poesia de Vitória Régia
Vitória Régia nasceu em Fortaleza, em 1991. É graduada em Letras e mestra em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. É professora e tradutora. Publicou os livros de poesia Partida de não dizeres (Substânsia, 2015) e Náutico (Patuá, 2018).
Poemas do livro Náutico
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Talvez sejam girassóis brotados dos pés
O abismo é mais colheita do que queda
Ou do que cai de um céu
Mercúrio inteiro
Recordando nesses dias
Rasgados
Regaço armado
Mãos em miséria na praça
E outras desatadas por multidões
Invisíveis manadas
E os retalhos escarlates na pele
Em tatuagem para não esquecer
Todos os nomes de meu relicário
Arrojo no júbilo do vento.
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Renda desfiando-se no colo
Os acentos do tempo
As linhas em composição desregrada
Mesuravam os limites desse espaço
Vento, chuva, calor Balsas que carregam nomes
A história sem título de um desencontro
Arroio da boca que conjura
O rumor do desengano das ruínas.
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O blefe dos olhos postos em jogo
O equívoco do fluxo sanguíneo
O ritual dos dedos que operam voos
A água que saúda essas partes
Os golpes da tua voz espaçada
A tua presença
Escarcéu aos meus pés
Era no chão que te deitavas, recordo
Para sentir o frio
Ou a língua salivando o corpo
Corpo - Palavra - Ombro
Árias em notas de metais
Eros, para dizer – não sabe que medida cabe entre o osso
Talvez não se lembre das feições do estranho
Do cansaço que te fazia respirar contando até dez
Exausto de olhar
Repetindo a oração -
Que teus olhos de vidro transpareçam artérias.
Poemas inéditos
A visão do amor só provo líquida
Ave escarlate quando pousa
No verso da mensagem
Com relicário no pescoço
De rosários de verbos
Uma conveniência dos milagres
No antebraço que ampara
A perpetuidade de primaveras
Eu resguardo, quem sabe
O ditame que serra
As gengivas amarelas
De leopardos saciados
Nas cordas de aço
O fado profetiza a comunhão
De quem corre ventos e velas
A pele quente, maresia, solidão
A mão escorrendo no peito
Aguarda boa ocasião – nem sempre ao alcance
E nem sempre compreendendo
Vibram, colorem
No crepúsculo de aparências
Os olhos lunares, toca, mulher – de seda
Pela brancura dos ossos esquecidos
A vaidade dos quereres
Na terra é sempre tempo de morrer ou florir
Os espelhos da alma e os caminhos para o céu
Céu da boca é para a língua
E o colo fértil de sereia jura o mínimo
É doce sobre o véu de Maia
Marulhosa a toca de dentro, para quem vaguear intento
Pífanos e guerras – para ninguém – predileções e esquecimentos
Cavalgo por anseios
Estão sempre impenetráveis
Quando costuro salmos na espera
Ostra – mulher, una canción de ninar
Tateando altares
Versando brancas éguas
Que movem–se no espectro
Do teto de gérberas
E bebem águas verdes
Brandas ou violentas
Se encontram no braço do rio
Mas na voz não se entrelaçam as linhas do poema
Silenciosa, uma sacerdotisa do embrião
Promove um roteiro de aromas
Seu próprio alvo espia o ventre
As tripas e os olhos
Pulsando nas carótidas
Desperta e ferina
Na chave de íris
A visão do amor
Só provo líquida.
Tango, Madrugada, Leão
A pele calcinada, vento e suor, ainda inteira
O início, me reconheço nas paredes
Nenhuma sombra, nem os odores
Da pele ou os flashs do silêncio
A procura, nenhuma voz ou pudor
Mas as mãos se contorcem enamoradas
Do sol da garganta, do ventre, da boca
Da língua, repleta de nomes
Nenhum seria o seu, negro leão
A espera, a partilha
Onde canto os cardos, ou a asa celeste
Do desejo
Pés de pássaro neste eixo, e o olho da noite
Em uma curva qualquer
Mergulhando ilhas inteiras
Que pesaram em meu corpo
Qualquer vestígio se acende no dia
Em teu nome provei
Com os pés
Que ainda retornam
E a boca
Funda e clara
De amar e destruir
Força pura da gramática
Mãos que encerram uma ciência
Criam o que sobrevive
No corte da lua em vertigem
Mais breve e marulhoso
Onde a raiz que o olho vê
Toda a paisagem
Todo o oríficio que encerra
Em nuvens inteiras
Sem lágrimas
Sem deuses
O soar do arcanjo
Que não sabe esquecer
Chuvas e madrigais
Quando está
Dentro de mim.