OLEG: uma combinação perfeita no jogo da vida
Dizem que a vida é um desafio, e cabe a cada um encontrar as peças certas do jogo que se encaixem ao que lhe é proposto. “Viver é – não é – muito perigoso. O aprender a viver que é o viver mesmo.” (Grande Sertão Veredas, JGR)
No wikipédia a definição para Lego (acrônimo de OLEG) aparece da seguinte forma “O sistema LEGO é um brinquedo cujo conceito se baseia em partes que se encaixam permitindo muitas combinações.” dessa forma, a narrativa de Oleg se resume perfeitamente nessa definição.
Oleg é mais uma obra autobiográfica que Frederik Peeters narra a saga de um quadrinista que tenta produzir mais um quadrinho depois do sucesso de A partilha do mundo, que o tornou amplamente conhecido. Na história, compartilhamos o processo criativo de Oleg, que inicialmente se mostra bastante confuso. Aos poucos os acontecimentos na vida dele, na sua família e das coisas a sua volta, no seu cotidiano, se apresentam para ele uma inspiração. Ele não precisa buscar em outras referências para extrair elementos para uma história que seja tão absurda ou fantasiosa além do que a própria realidade proporciona.
Entre altos e baixos profissionais do personagem, o jeito despojado em que se relaciona com a filha e a esposa são tão divertidas e abertas que dá vontade de fazer parte da família. Uma família pequena e bem moderna, sua esposa é super parceira nos seus projetos que muitas vezes ajuda-o em seu processo de criação para novos quadrinhos. A obra retrata de forma leve que a base do personagem está na família, mesmo com as suas diferenças.
O quadrinho acaba sendo uma crônica dos principais momentos do seu cotidiano no trabalho e em casa. A narrativa se constrói como um jogo de peças que se encaixam perfeitamente à medida que ele vai encontrando a combinação que busca para história. Diferente de muitas narrativas autobiográficas em que muitos quadrinistas trabalham em casa (home-office), Oleg possui uma sala onde ele produz seus quadrinhos isolado e sozinho, sem internet e presença de pessoas.
A rotina dele é bem básica sem muitas surpresas e aventuras, faz atividades físicas, esportivas e ecológicas, adepto ao transporte público e a bicicleta. Seu olhar atento capta detalhes de uma paisagem urbana e também da natureza por onde percorre.
As páginas em branco são as mudanças de ambientes e funcionam na narrativa como capítulos de transição sem perder o fio da história, conectando-as, dessa forma não há uma quebra brusca entre as partes da história. Na página 116 ele reproduz uma obra de arte famosa, a pintura de Caravaggio conhecida como Narciso, do mito grego em que Narciso contemplava a sua própria beleza até se apaixonar por ela quando se viu num espelho d’água. O mito de Narciso representa situações egocêntricas, onde todos os problemas giram em torno de si, até que seja preciso parar de olhar para si e enxergar o que está a sua volta pode ser tão belo e assustador ao mesmo tempo quanto se olhar no espelho. Será que as peças desse emaranhado jogo da vida em que Oleg vive, algo não está se encaixando, e isso pode ser percebido na conversa em que ele tem com seus pais.
A capa da HQ traz o personagem em posição contemplativa, olhando para cima onde o título da obra está dentro de um jogo de enquadramento que lembra as peças do lego e também dos requadros de um quadrinho. Oleg busca inspiração para desenhar um novo quadrinho, uma nova história urge e ela surge no momento em que ele troca ideias sobre a sua produção com a esposa e sem querer diante dele, uma nova história se encaixa naquele momento profissional.
Mais uma vez Frederik Peeters aborda um assunto importante dentro da narrativa. Em Pílulas Azuis ele trouxe o tema do HIV e em Oleg ele traz o AVC que não só atinge pessoas idosas ou com pressão alta, mas pessoas jovens como foi com sua esposa. A doença pode ter outras origens e desencadear o conhecido acidente vascular cerebral a partir de outros problemas preexistentes no organismo e acomete o indivíduo de forma silenciosa e rápida. De forma humorada as cenas da crise da esposa de Oleg até a explicação médica, novamente, são tratadas de forma didática e divertida pelo autor.
Não menos informativa que Pílulas Azuis, em Oleg temos algumas situações que ele retrata de forma sutil sobre preconceitos, juventude, comportamento etc
A HQ traz um universo comum a muitas famílias, e a vida de um quadrinista mesmo que aclamado não é diferente a de milhões de pessoas, porque seu universo não é de super-heróis, mas de pessoas próximas que ele declara nessa história o quanto ama, por isso o título se justifica, ele fala de si, mesmo que soasse como Narciso, é a sua história que está ali e de quem ele divide a vida, o que ele busca retratar são momentos compartilhados com quem ele vive e constroem o personagem que é na HQ.