Jack Kirby, o rei dos quadrinhos
Biografia revela vida e bastidores de um dos criadores de grandes personagens do universo Marvel
Se tem uma leitura que eu me amarro são biografias. Biografias jornalísticas ou autobiografias e agora as biografias em HQs possuem todas o mesmo brilho que carregam de histórias reais, bastidores que muitas vezes, não chegam ao conhecimento público.
Aqueles personagens que você acompanha a vida inteira, quem rabiscou os traços, quem deu vida e ação a cada um deles, como nasceram, como surgiram e seus enredos. Cada detalhe da criação do Quarteto Fantástico, X-Men, Pantera Negra e muitos outros personagens que fizeram história e sucesso no universo dos quadrinhos passaram pelas mãos de Jack Kirby.
Kirby era filho de imigrantes austríacos, desde cedo descobriu-se apaixonado por histórias em quadrinhos, quando decidiu que isso seria sua vida profissional. Tornou-se desenhista de mão-cheia, trabalhou para as duas maiores empresas de entretenimento dos EUA, DC Comics e a Marvel, mas passou por várias outras que fecharam, inclusive a sua própria editora. Antes de permanecer definitivamente no mundo dos super-heróis como desenhista, Kirby teve que enfrentar a batalha real e cruel de uma guerra, da qual todos heróis que criava eram retratados na sua imaginação. Convocado para lutar durante a segunda-guerra, entre perdas e vitórias, conseguiu rever seu amigo-parceiro de prancheta e juntos iniciaram uma nova história que ia revolucionar o mundo verdadeiramente com sua arte dos supers.
Tornou-se muito conhecido no circuito do mercado das HQs, enfrentou algumas batalhas judiciais, mas da mesma forma que os seus confrades Joe Shuster e Jerry Siegel, Kirby teve muitas de suas criações roubadas, narrativas apropriadas e nenhum crédito lhe foi concedido. Grande parte de suas ideias e produção eram apropriadas, o “reconhecimento”, entre aspas, vinha daqueles que sabiam que ele era a fonte do sucesso e suas criações davam lucro, mas ele sequer recebia por nenhuma, nem mesmo quando foram licenciadas para produção de bonecos e brinquedos. Assim como Bob Kane era o falastrão que deu o golpe da dupla criadora do Superman, Stan Lee não foi diferente com Kirby.
Kirby estava preocupado com as remunerações que tinha que ganhar em cima de sua produção para o sustento da casa com quatro filhos para criar. Ele acabava cedendo a algumas propostas que não lhe favoreciam enquanto criador e autor das revistas. A única vez que ele conseguiu ver o valor financeiro do seu trabalho, foi nos anos finais de carreira quando a Image Comics, formada por ex-artistas da Marvel que eram fãs do trabalho de Kirby.
Kirby travou longas batalhas, mas a principal delas em que ele conseguiu o que mais queria foi reaver seus originais, mas encerra a HQ com uma grande revelação: “Eu guardo na minha cabeça. Guardo todas as ideias na cabeça. Suas ideias são somente suas.” (pág. 187) Os dois requadros da última página são mensagens de que Kirby acreditava muito nelas e de fato elas se comprovam até hoje: quando se olha para seus personagens, seus traços qualquer um reconhece neles um pouco do Kirby, é a sua marca registrada.
A HQ em capa dura, miolo colorido em alta gramatura com exatas 200 páginas, com notas, bibliografia já que a HQ foi toda escrita baseada em arquivos de diversas fontes como entrevistas, adaptadas para uma narrativa em 1ª pessoa. Curiosamente essa biografia não tem autorização do espólio de Jack Kirby, nem Marvel, nem DC Comics. O que justifica a nota do autor sobre a possibilidade de divergências dos fatos ali retratados.
Um excelente material lançado pela Conrad, com algumas ressalvas de pequenos erros de revisão no ínicio da HQ. A editora retomou a publicação de quadrinhos impressos e também trabalha com lançamentos digitais, e está com foco em autores nacionais e trazendo material de qualidade do estrangeiro como a biografia do Jack Kirby, em breve lançará Tangências de Miguelanxo Prado, importante quadrinista espanhol dentre outros lançamentos.
Tom Scioli é um quadrinista com prêmios e trabalhos conhecidos junto à IDW. Seu estilo de desenho bastante carregado de detalhes, praticamente todos os requadros são uniformemente padronizados no tamanho por página demonstra um rigor metódico e padrão, a passagem de tempo pode ser percebida pela mudança de cores. Na página 142 temos Jack Kirby na prancheta trabalhando, a mesma cena se repete em três requadros seguidos com a mudança das cores da roupa que ele usa, o que indica a mudança do tempo, de dias, dentro de um mesmo período retratado pelo noticiário transmitido na TV em segundo plano nas cenas. Essa característica é tão sutil na arte de Scioli em que ele mostra claramente o incansável trabalho diário de Kirby com suas criações. O envelhecimento de Kirby só é notado quando a cor do cabelo começa a mostrar-se grisalha, mas o jeitão, pequeno porte físico e estilo permanece sem muitas modificações ao longo da narrativa.
Scioli consegue reproduzir os desenhos em prancheta do Kirby como se o mesmo estivesse ilustrando a biografia, trazendo para o leitor a noção de como a arte era feita no lápis e borracha. Tanto desenho, cores, arte-final, letreiramento foram feitos por Scioli à mão que se considera um dos poucos artistas que assume toda a produção de uma cadeia que hoje funciona de forma segmentada de uma história em quadrinho.
Para quem curte os bastidores do universo do mercado dos quadrinhos, essa biografia é uma excelente oportunidade para compreender como funcionava o processo de produção, profissionalização e segmentação do trabalho editorial de revistas em quadrinhos nos EUA.
Histórias em Quadrinhos - Biografia
Título: Jack Kirby: a épica biografia do rei dos quadrinhos.
Autor: Tom Scioli
Tradução: Érico Assis
Editora: Conrad
Ano: 2020 - 200 pág., colorido
Onde adquirir: Comics shops, gibiterias, livrarias e sites (Comix, Loja Monstra, ComicBoom, UgraPress, Amazon)