Entrevista com Edyr Auguso
Edyr Augusto nasceu em Belém (PA) em 1954. Jornalista, escritor, dramaturgo e diretor de teatro. Publicou contos, crônicas, poesias e romances, sendo Belhell (2020) o seu livro mais recente. Conversamos com Edyr por e-mail para o LiteraturaBr.
Edyr Augusto, você é um escritor que tem voz, tom e ritmo próprios. Quando lemos seus livros, logo sabemos que estamos diante de uma história sua. Isso é o resultado de uma maturação e trabalho de linguagem, possível de ser acompanhado em seus romances. Mas além de romancista, você é contista, poeta, cronista e dramaturgo. O público nacional, e até mesmo internacional, conhece mais o Edyr romancista. Como é trabalhar com tantos estilos, gêneros e linguagens diferentes?
Tudo me aconteceu de maneira natural. Muita leitura e vontade de acertar. Comecei no Teatro, que me deu fluidez nos diálogos. Escrever notícias e publicidade para rádio me deu concisão. Minha poesia já tem a linguagem curta, precisa. Repouso nas crônicas onde me permito frases mais longas. Como faço para lidar com os gêneros, não sei claramente. Há uma certa ousadia em mim, na vontade de escrever. Já escrevo há muito. É natural que os textos saiam com naturalidade.
A sua estreia como romancista é com Os Éguas em 1998. Nesse romance já temos as adjetivações, segundo a crítica, que perseguem os seus romances: thriller, policial, frenético. A sua prosa tem um aspecto próprio, é quase poética, repleta de períodos curtos, acelerações no tempo, tudo isso com narradores que se confundem, muitas vezes não sabemos quem está narrando em suas histórias, as personagens são a todo instante invadidas em suas consciências, e suas falas e pensamentos surgem entrecortados com as ações. Sem muita descrição: há bastante movimento. Como você se sente, tendo obras que trabalham tanto o ponto de vista narrativo e de enredo, quanto o da linguagem?
Comecei Os Éguas sem pensar. Meu irmão, diretor da Rádio Cultura, local, veio me dizer que talvez voltassem a apresentar radionovelas, muito populares nos anos 50 do século passado. Pensei imediatamente em uma cena de crime onde as pistas pudessem estar nos recados em uma secretária eletrônica, popular, na época. Pensei no som, no rádio. A radionovela não saiu e veio a cena de abertura do livro. Daí em diante, foi como despetalar uma flor, com os acontecimentos chegando feito cascata. A concisão do texto, ali, está apenas ensaiada. Veio claramente no meu segundo livro, Moscow. O estilo é uma soma de Teatro, Rádio, Jornalismo, Publicidade, com a observação de personagens que encontro pelas ruas. Penso que esse estilo é meu grande instrumento de reconhecimento do trabalho.
Em alguns círculos literários, há a separação entre esses dois aspectos narrativos (enredo/linguagem). Algumas autoras e autores dedicam-se mais ao enredo, outras e outros se aventuram mais na linguagem. Inclusive, há essa nova categoria no prêmio Jabuti, o romance de entretenimento. O que você pensa dessa diferenciação na literatura, que acabou por criar uma categoria para um prêmio literário tão prestigiado como o Jabuti?
Acho que os prêmios estão sempre procurando maneiras para presentear mais e mais autores, chamando atenção para a Literatura, o que é ótimo. São escolhas subjetivas, porque livros não marcam gols. Então, o melhor disso ou daquilo, depende muito de quem vota. Não sei muito bem como avaliar o que seria um romance de entretenimento. Eu, por exemplo, quero entreter, mas quero também, incomodar.
Ainda em relação ao Os Éguas, você usa ali travessões. Nos outros livros (só não li Moscow de 1991) abre mão de colocar qualquer travessão e já apresenta ao público leitor o seu estilo de prosa ritmada, sem demarcar textualmente quem está falando. Na experiência da leitura, é possível discernir as vozes, embora muitas vezes elas se confundam. Acredito que isso esteja dentro do seu projeto de escrita. O que fez com que você abandonasse os travessões e trabalhasse esse estilo peculiar?
Como já escrevi, Os Éguas foi uma surpresa a cada capítulo. Moscow, outra surpresa. Estava escrevendo dois romances ao mesmo tempo, quando li uma notícia sobre jovens envolvidos em violência na ilha de Mosqueiro, que até então, era local idílico. Deu vontade de quebrar esse vidro. Deu vontade de fazer um exercício na primeira pessoa. Foi natural eliminar os travessões. Hoje, sei que na sociedade imagética em que vivemos, nosso cérebro está cheio de imagens, as mais diferentes. Misturando no mesmo bloco a fala de vários personagens, tempo de verbo, narrador, enfim, dou velocidade e acima de tudo, pego o leitor para cúmplice. As imagens, as feições, fala e tudo o mais dos personagens, já foram idealizados, de maneira que já sabemos quem está dizendo, o quê. Mantenho a velocidade da cena. Quero deixar o leitor com respiração acelerada, como se estivesse escondido assistindo tudo aquilo, mas, ao mesmo tempo, na segurança de seu lar.
Você escreve em Belém, metrópole amazônica. Diz que os belensenses e paraenses são sempre os seus primeiros leitores, pois pensa neles, primeiramente, ao escrever. Isso não significa que seus livros interessem apenas ao público paraense e mesmo amazônico. Suas obras já foram traduzidas na França e na Inglaterra, parece que, infelizmente, você é mais lido e reconhecido lá fora do que aqui no Brasil. Você acha que isso acontece, também, por nunca ter se mudado de Belém, ter escolhido manter a cidade como seu lócus de criação? Pois você sabe, se nós, nordestinos e também nortistas, escrevemos sobre histórias que se passam em nossas realidades, logo somos regionalistas. Se alguém do sudeste escreve sobre um escritor trancado em um quitinete em São Paulo ou Rio de Janeiro está fazendo literatura universal.
São Paulo é tão poderosa, cheia de escritores que para lá, vão de todo o país. É o maior mercado, juntamente com o Rio de Janeiro. Acabam por achar que o mundo acaba além de suas fronteiras. A falta de Educação e Cultura que assola o Brasil, é cruel nos Estados mais distantes. No meu Estado, houve mais de vinte anos com um gestor cultural que, justamente, odiava os artistas locais. Estamos refazendo essa relação, agora que a tempestade passou. Para chegar ao Sudeste, onde há uma grande muralha, como aquela do Game of Thrones, foi necessário primeiro ser premiado na França, o que ocorreu através de minha editora, a Boitempo, que vendeu os direitos para a Asphalte Editions. Confesso ter ficado suspeito com o sucesso. Chego lá e sou recebido por todos os meios de comunicação, todos bem informados sobre o trabalho. Após o prêmio, aqui no Brasil, comecei a ser percebido e ser bem recebido, com ótimas críticas. Já pensei em morar um tempo nas cercanias de Paris, bem como nas cercanias de São Paulo, mas não posso perder meu cenário, meus personagens, que encontro todos os dias e me alimentam de vocabulário e acontecimentos. Escrevo sobre Belém, uma selva de concreto fincada na selva amazônica, mas meus personagens poderiam estar em qualquer lugar do mundo. Creio que o estilo é que surpreende.
Em um país como o nosso, que normaliza racismo, machismo, genocídio da juventude negra, não respeita e ataca quilombolas e nações indígenas, como ser acusado de trabalhar com histórias violentas se a própria realidade supera a violência narrada? Vejo uma aproximação de uma estética da violência entre você e Ana Paula Maia, uma escritora mais jovem e que às vezes é apontada como alguém que exagera, produzindo situações extremas. Como é trazer histórias de violências que se cruzam em um país repleto de violência e sofrimento?
Alguns disseram que faço o que chamam Literatura Brutalista. Discordo. Mas acho que Ana Paula Maia faz. Sou fã. Leio todos os livros. Adoro. Quanto a mim, embora sempre existam crimes e policiais envolvidos, acho que escrevo sobre pessoas comuns atingidas por fatos que as fazem vir à cena, nervos à flor da pele, resolver os assuntos. Marcelo Mirisola disse que a realidade é uma grande concorrente dos ficcionistas. Está certo. O mundo anda violento. Nas mídias, há sempre uma câmera no ombro, tremendo, ofegante, atrás de bandidos. Sinto que escrevo assim, deixando o leitor com a ilusão de estar na mesma pilha, nervoso, mas ao mesmo tempo, na tranquilidade de seu lar. Quase nunca tenho mocinhos e bandidos. Todos somos maus e bons, dependendo da situação.
Edyr Augusto, foi um prazer ter essa conversa com você. Tenho a sua literatura como exemplo e inspiração e sempre torço por novos livros seus. Agradeço por ter aceitado ceder essa entrevista. Use esse espaço para dar algum recado para quem nos lê!
Meu nome é Edyr Augusto. Sou um escritor. Um sem número de vezes inicio meu discurso assim. É que, com a exceção da França, sou um desconhecido no meu país, como tantos escritores que moram fora do eixo Rio-São Paulo. Escrevo, hoje, aposentado, para meu deleite. Escrevo para mim. Enquanto escrevo, me divirto, vibro com os personagens e vivo em sua companhia por todo o tempo, até encerrar o trabalho. Meu cenário é minha cidade, Belém do Pará, com dois milhões e meio de habitantes. Mas meus assuntos são bem universais. Tenho um estilo veloz que tem surpreendido e agradado muitos leitores. Gostaria de merecer sua atenção, sua leitura. Meus romances são lançados pela boitempoeditorial.com.br. Obrigado.
por Hermes Veras