Suíço, um "bicho" quase fácil de entender
No início, achava que suíço era "bicho" fácil de lidar. Pacatos, contentes, sem muita expectativa. Depois comecei a achar que nunca conseguiria tirar uma emoção da boca deles. Após treze anos, continuo vivendo esta dicotomia. Já "desloquei" minha perspectiva milhões de vezes para "chegar mais perto" do universo deles. Às vezes o "deslocamento" dá certo, outras não. Requer persistência e paciência, o que eu nem sempre tenho. Costumo dizer que para chegar "perto" lá dentro de um suíço é preciso de uma vida inteira. Talvez duas. Embora os meus treze anos em formação, ainda me sinto no jardim da infância.
Ultimamente, encasquetei para entender a fixação deles com o tal do "frische luft"(ar fresco). Desloquei mais uma vez. Fui para o tal do bosque aonde eles vão assiduamente. Pensei: deve ter algum duende, feiticeira ou sereia lá para gostarem tanto, só pode ser... Tive que descobrir.
No lockdown, intensifiquei minha presença no bosque a um quarteirão da minha casa. No início, era uma tortura, o lado esquerdo do meu cérebro não dava trégua; analisava a eventual perda de tempo por estar ali, as milhares de atividades postergadas. Depois de um mês, comecei a gostar do tal do ar fresco. Ia lá para desconectar. Comecei a precisar do bosque. As melhores ideias vinham de lá. Desejava que o dia terminasse para ir. Sentia lá a mesma sensação de leveza que quando se experimenta numa praia de nudismo. Só você e a natureza, nada mais.
Passei a conhecer cada árvore, cada pedra no caminho. Fui todas as horas do dia para entender qual perfil de suíço frequentava qual horário. Finalmente achei minha hora favorita: ao escurecer. Nos últimos instantes da tarde dava para ver as luzes finais do céu estrelado de inverno. Ia para apreciar a existência da luz, em tempos de esperança escassa. Em tempos quando havia apenas a pandemia, a escuridão e eu.
Lá no bosque eu era ninguém, não conhecia ninguém. Eu era o protótipo do ser indefinido, desencaixotado, impreciso para qualquer julgamento. Condição perfeita. Ali não precisava ser ninguém e nem nada. Era só, meu movimento eu e o vento frio batendo no meu rosto. Comecei a entender o que faz o ar fresco na gente. Os suíços tinham razão.
Ursula Zufrieden 01.02.2021