Fiados na esquina do Céu com o Inferno
O sertão pela perspectiva do Realismo Mágico
Em um momento da Literatura Brasileira em que a desconstrução da estética tradicional do texto narrativo e a busca por temas que denunciem ou contestem os comportamentos pautados pela herança patriarcal, eis que surge, em meio ao fluxo intenso de publicações, o livro Fiados na esquina do céu com o inferno.
Definido pelo escritor e repórter do jornal Estado de São Paulo, Júlio Maria, como “Sertanismo Fantástico”, o primeiro romance do escritor pernambucano Eury Donavio resgata elementos presentes no Movimento Armorial criado pelo mestre Ariano Suassuna.
Se na produção literária atual, os ambientes urbanos são cenários para as mazelas sociais do presente, no texto de Eury temos um retorno ao sertão já apresentado em diversas obras nacionais.
O que torna o sertão de Eury especial, é que, diferente de outras obras que pretendem denunciar a pobreza e a falta de acesso aos direitos básicos pelo povo sertanejo, em Fiados na esquina do céu com o inferno, o autor se debruça sobre a cultura, a linguagem, as crenças e o comportamento.
Um matador sem nome se encontra com uma figura sobrenatural em um buteco na esquina do céu com o inferno que, o escolhe para exterminar o diabo e, acabar com a batalha entre a chuva e a seca antes do dia de São José, trazendo a água de volta ao sertão.
Esse Matador carrega consigo um caderno de fiados, onde anota todas as ofensas dirigidas a ele durante sua vida. E enquanto não encontra o diabo, para a batalha final, ele viaja pelo sertão para acertar as dívidas de sua caderneta.
O leitor irá acompanhar uma saga repleta de acontecimentos surreais e simbolismos, que forma um enredo cômico e ao mesmo tempo cheio de significados.
Além da construção de personagens singulares, o autor cria uma linguagem peculiar, onde a utilização do neologismo produz derivações muito interessantes de palavras da nossa língua. Técnica essa, usada por Dias Gomes em “O bem amado”, que deixa o texto fluido, envolvente e especialmente engraçado.
Uma prosa ágil, repleta de pontos de virada, que jamais deixa o leitor na letargia e que possui um desfecho ainda mais surpreendente.
Eury Donavio ganhou o Prêmio Cidade de Manaus 2019, publicou o livro em setembro de 2020 pela Editora Coqueiro e acaba de ganhar o Concurso Novos Roteiros na categoria Mini Série com essa história que, certamente, ainda irá protagonizar as listas de selecionados nos prêmios literários de 2021.
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Rosana Vinguenbah é bióloga, funcionária pública e escritora. Autora do romance Sopa de Pedras (Penalux, 2018), possui textos publicados em revistas e coletâneas. Fala sobre Literatura no seu perfil @rosana_vinguenbah no Instagram.