Como se faz o poema de Felipe Saraiva
Felipe Saraiva nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1993. Graduado em Comunicação Social, trabalha como redator em uma agência de publicidade. Tem poemas publicados em revistas e sites de literatura. Além da poesia, escreve e publica crônicas no Medium (@felipesaraivv). Dispõe as brechas do seu tempo entre a palavra, a fotografia e três gatos.
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Silvestre da palavra
saborear a fala quando diz
‘filtro de barro’ quando diz
‘janela’
a elegância das palavras se
esconde debaixo da língua
sobre a quentura do asfalto
urgência na captura do possível:
então consumir-lhes a urgência
consumir o cerne do ordeiro e da ordem
dizer em voz alta nomes evocar cores
conduzir aromas à esquina de todas as
lembranças
a língua é até o fim
memória selvagem
é preciso penetrar o campo
silvestre das escolhas sem receio
do encontro.
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Como se faz o poema?
Olha, fiquei pensando sobre essa pergunta por um tempo e, quanto mais pensava, menos me sentia perto da resposta. Sei é que o poema não espera, se faz com o corpo em movimento. Começa antes do contato com a folha ou do tec-tec no teclado. Se prega na gente pelos olhos, no cheiro das andanças, na realidade que grita e pede misericórdia o tempo inteiro.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Como é esse processo?
Tenho alguns, como escrever ouvindo música instrumental ou R&B. Também prefiro trabalhar de noite, quando o silêncio se avoluma. Aos finais de semana inverto, escrevo pela manhã, mas só depois de passar o café. Logo após essas coisinhas todas, vou caçando fragmentos, pedaços de texto que escrevi ao longo dos dias e deixei parado. Quase sempre estão no bloco de notas do celular, e aí começa o quebra-cabeça. Acontece também de, às vezes, o processo variar. Assisti uma live da Natasha Felix na quarentena em que ela disse ter o costume de revisitar textos antigos e selecionar trechos pros seus poemas. Como mantenho algum material num diário, passei a assimilar o mesmo processo na minha escrita e tenho gostado do resultado.
Você revisa seus poemas?
Sim, sempre depois que eles ficam de molho. Aí retomo, edito, reescrevo o que precisa, deixo de repouso novamente e repito o processo até achar minimamente apresentável. Às vezes isso é um problema, porque quase nunca acho que o poema está pronto, daí acabo mesmo é vencido pelo cansaço.
De onde surgem as ideias para escrevê-los?
Sobre as ideias para escrevê-los, a resposta pode estar na primeira pergunta ali em cima. Vem dos arredores, das memórias, do que a gente absorve do mundo pra transmutar em palavra. Fazer poesia também é uma forma de alquimia.
Qual é o seu poema favorito? (Seu e de outro poeta)
É um da Alejandra Pizarnik, que está no livro ‘’Árvore de Diana’’. Há uns 2 anos tive contato com a versão traduzida pela Nina Rizzi, e o texto ainda vibra por aqui todo dia. É assim:
"una mirada desde la alcantarilla
puede ser una visión del mundo
la rebelión consiste en mirar una rosa
hasta pulverizarse los ojos"
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"uma olhada através do esgoto
pode ser uma visão do mundo
a rebelião consiste em olhar uma rosa
até pulverizar os olhos"
(tradução de Nina Rizzi)
Agora, pensar o favorito de um poema meu... Sou do clichê de que o favorito é o que está para ser escrito etc etc. Mas, pela urgência do momento, gosto de Casa grande, que foi publicado na 3º edição da Revista Torquato.