3 de dezembro de 2020

Como se faz o poema de Danuza Lima

Como se faz o poema é uma série que compartilha o processo criativo de poetas brasileiros/as.

Danuza Lima, mulher negra, pernambucana, formada em letras, especialista em literatura brasileira e mestra em teoria da literatura, faz-se professora da rede pública de ensino. Aquariana que é, gosta do silêncio de plantas, bichos, do olhar e das mãos. Lançou recentemente os livros Mantra e Sob a proteção da espada de Iansã, ambos pela Macabéa Edições.

*

tampouco a voz das horas
destas que desenham uma linha sobre a cama e
deitam teu corpo a fazer caminho
trabalho o olhar sobre essa claridade.
logo se vê presença em luz
e faísca.
a língua é uma fúria.

*

como se faz o poema? você tem algum ritual de preparação para a escrita? como é o esse processo?

É uma pergunta difícil de responder, porque não acredito em uma receita para o fazer um poema, mas vejo o fazer antes mesmo da palavra, quando tudo ainda é poesia – o que ainda não é matéria. Eu poderia sem receio te dizer que um poema nasce, mas não como se faz. Nasce o poema, para mim, em cada bater da asa de uma mosca que me tira o sono e a vontade de comer, nasce também um poema, no soluçar diante da minha, tua dor, de outres. Mas não é sobre isso a pergunta, é sobre como faz. Acredito que a atividade de escrita, por muito tempo, foi vista como algo solitário e a poeta, alguém distante da realidade, área, esta foi uma das tantas histórias únicas que nos contaram, mas o poema nasce mesmo é na coletividade, porque meu olhar pode até ver poesia num único olhar, cena, mas se faz mesmo quando este meu olhar e a imagem que dele se faz, constrói-se uma refração de tantos outros olhares.

você revisa seus poemas?

Apesar de ver o poema assim, eu tenho costumes de escrita. É quase sempre a imagem que me chega à mente e depois, penso uma espécie de decodificação do que vi, nesta ação, eu escrevo num fluxo, muitas vezes, reviro a caneta, lápis na ponta dos dedos, leio para mim, quem estiver perto, em voz alta, me escuto, deixo o poema de molho, compartilho com quem gosta de poesia, volto a ele, corto, até, não sei como, estar pronto.

de onde surgem as ideias para escrevê-los?
As ideias surgem das coisas que considero mais simples, pequenas, coisas do viver os dias devagar, do cuidar dos bichos e das plantas, do aprender com as pessoas, sorrisos, mãos, do amá-las, mas também surgem do grito que não dou, deixo o grito para a palavra escrita, do menino que caiu do prédio e virou pássaro, da menina que só queria brincar, de uma cura permanente, ancestral.

qual é o seu poema favorito? (seu e de outro poeta)
Não tenho um poema meu que goste mais que outros, deles eu prefiro dizer que nasceram e estão por aí, encontrando mãos que os acolham. Lembro de alguns versos que escrevi e gosto, pela sonoridade, pela imagem que trazem, mas sem um específico.

Isto acontece também com poemas de outras poetas, consigo lembrar aqueles que me tocam, poetas que desde muito tempo, me ensinam esta tarefa de escrever, que é permanente, aí vivo tendo poemas e verso favoritos à medida que leio. Lembro de um verso da Orides Fontela que me acompanha: “toda a palavra é crueldade”, de “Li tuas mãos na fumaça de um atentado”, do amigo Jonatas Onofre, agora, são os versos “poesia é para quem não sabe dizer nada diretamente, / há uma curva na voz – que não é proposital”, da Ma Njanu, poeta cearense, que vem me atravessando.